13.3.11

A criação do Estado do Vaticano

Com poderes ilimitados e polpuda indenização em caixa, Pio XI moldou a estrutura do então recém-criado estado do Vaticano. E já incomodava seu vizinho, o ditador fascista Benito Mussolini.


Em setembro de 1870, quando as tropas de Vittorio Emanuelle II, proclamado rei da recém-unificada Itália, subjugaram e anexaram a cidade de Roma, o papa Pio IX enclausurou-se nos muros do Vaticano. A essa altura, o Risorgimento italiano já havia tomado a maioria dos estados papais, e o pontífice, para não se submeter à nova ordem política na Velha Bota, rompeu relações com a monarquia e declarou-se um prisioneiro do poder laico. O mal-estar entre o estado e a Igreja finalmente chegou ao fim em fevereiro de 1929, quando o papa Pio XI e o ditador fascista Benito Mussolini, o "Duce", assinaram o Tratado e o Concordato de Latrão, que determinaram a criação do estado soberano do Vaticano, reconheceram o catolicismo como religião oficial da Itália e ainda garantiram à Santa Sé uma polpuda compensação financeira pelas anexações dos rincões papais. Livre depois de quase seis décadas, é o Santo Padre que agora se esbaldava com seus poderes de chefe-de-estado, literalmente mandando prender e mandando soltar dentro do Vaticano.

Com a garantia da indenização da administração italiana, de 750 milhões de liras, à vista, e de um bilhão de liras em títulos do governo, o chefe da Santa Sé começou a estruturar uma respeitável aparelhagem estatal – boa parte dela, a seu serviço imediato. Já existia um diário oficial, o L’Osservatore Romano, e Pio XI, de acordo com seus assessores próximos, planejava estruturar no futuro próximo uma rádio oficial para alardear o cristianismo e, claro, a palavra papal. O maior candidato para tocar a empreitada foi Guglielmo Marconi.

Começou a circulação da moeda corrente do Vaticano, a lira vaticana, com a efígie do sumo pontífice, também aceita na Itália e que tinha valor equivalente ao da lira italiana. O serviço postal do Vaticano foi inaugurado em fevereiro de 1929. Já o Corpo da Gendarmaria Pontifícia e o Corpo da Guarda do Papa, com suas coloridas fardas desenhadas por Michelangelo, ganharam ainda mais liberdade dentro do Vaticano para assegurar a proteção do agora chefe de estado Pio XI.

Para completar, em junho deste mesmo ano, foi promulgada a Lei Fundamental do Estado do Vaticano, que dá ao sucessor de São Pedro a plenitude dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no enclave de 0,44 quilômetro quadrado ao norte de Roma e em mais doze edifícios espalhados pela cidade, incluindo o Palácio de Castelgandolfo. Os bens da Santa Sé, sua administração, a biblioteca, o arquivo, a livraria e a tipografia do Vaticano também estão diretamente subordinados à vontade do pontífice. Tal lei criou a figura do governador, que poderia criar regras para a ordem pública na cidade-estado, com a anuência do Conselho. Porém, a escolha do governador é exclusiva do papa, e pode por ele ser revogada a qualquer momento, sumariamente. Qualquer semelhança com os plenos poderes de Mussolini não é mera coincidência – ao menos para os cartunistas locais, que não se cansavam de produzir caricaturas retratando Pio XI envergando a camisa negra do fascismo e o Duce com a tiara papal em sua cabeça.

Os dois manda-chuvas, aliás, trocaram algumas farpas – Mussolini dizendo à Câmara dos Deputados que "a Igreja é soberana apenas no reino da Itália, e não no estado italiano", com a resposta de Pio XI lamentando as declarações hereges do fascista. As arestas ainda não ficaram completamente aparadas.

Para acabar de vez com a animosidade, no fim do ano de 1929, de acordo com informações extra-oficiais, o Santo Padre recebeu pela primeira vez no Vaticano o rei Vittorio Emanuele III, em um encontro simbólico para selar a paz entre a monarquia e a Igreja. Mas também aí se descortinava um problema diplomático. Pelas rígidas regras cerimoniais do Vaticano, todo soberano católico deveria ajoelhar-se ao pé do papa e beijar seu dedão. Benito Mussolini, porém, foi radicalmente contra o ósculo, preferindo o tradicional aperto de mão entre dois chefes de estado. Fontes ligadas ao príncipe Umberto garantiram que este preferiu o cumprimento da formalidade.