1.10.12

Horror no Sudão


O que a história tem a dizer sobre a pior crise humanitária atual

Artur Lourenço


Doze homens armados chegam a cavalo numa vila de Darfur, no oeste do Sudão, antes do amanhecer. Eles matam todos os homens, estupram as mulheres, queimam casas e plantações. Seu objetivo é eliminar a vila do mapa. Se no dia seguinte, depois de fugirem, os habitantes voltarem, todo o procedimento será repetido. Esse é o padrão de ataque da milícia conhecida pelas vítimas como Janjaweed – os “demônios a galope” –, que ataca exclusivamente civis. Desde abril de 2003, quando eclodiu mais uma guerra civil, essa rotina se repetiu em outras 516 vilas e deu origem a uma das piores crises humanitárias do mundo.

Sem ter o que comer ou onde dormir, os sobreviventes são obrigados a deixar o que restou de suas casas para buscar comida e proteção em um dos mais de 100 campos de refugiados da região, que já abrigam cerca de 1,6 milhão de pessoas. A Anistia Internacional estima que morrem aproximadamente mil pessoas por dia no Sudão, de fome ou doenças causadas pela falta de higiene e infra-estrutura, como cólera, malária e febre amarela.

O conflito tem raízes na rivalidade entre tribos de origem árabe e africana pelo domínio da região. Os africanos fixados, principalmente no estado de Darfur, costumam ter suas propriedades invadidas por árabes de tradição nômade que vêm tanto do norte, fugindo do avanço do deserto de Saara, quanto do sul, em busca de terras mais férteis. Mas o estopim da crise que intensificou os ataques a civis aconteceu em abril do ano passado, quando rebeldes do Exército de Libertação do Sudão (ELS) invadiram um aeroporto e mataram 75 soldados do Exército nacional em represália ao crescente apoio do governo às tribos árabes.

Em agosto deste ano, o Congresso Americano concluiu que a crise no Sudão é um caso de genocídio – tentativa deliberada de matar ou ferir seriamente membros de um grupo de pessoas para exterminá-lo fisicamente. No entanto, nenhuma sanção foi aplicada por qualquer país da comunidade internacional ao governo do Sudão. As únicas medidas tomadas até hoje foram doações de apoio aos refugiados. Teme-se que, se nada for feito em breve, a crise tome proporções como as do genocídio de Ruanda, onde morreram 800 mil pessoas em 1994.



Raízes da tragédia
Como o caosse instalou no maiorpaís da África

Até o século 6 - Os primeiros habitantes

A região do atual Sudão era ocupada por habitantes de três reinos distintos conhecidos genericamente como Núbia. No século 6, a maioria da população havia se convertido ao cristianismo copta, por influência de clérigos egípcios. O contato com os árabes restringia-se ao comércio

Século 7 a 19 - Era islâmica

Em 642, os árabes muçulmanos chegaram à Núbia e a região entrou num processo de “arabização” que durou mais de mil anos. Em 1315, subiu ao trono o primeiro príncipe núbio muçulmano. No século 15, o cristianismo não era mais a religião predominante e as vilas ao longo do Nilo passaram a organizar-se em torno de protetores árabes

1889 a 1954 - Condomínio Anglo-Egípcio

A fim de garantir o acesso ao Canal de Suez, rota marítima entre o mar Mediterrâneo e o oceano Índico, a Inglaterra aliou-se ao Egito e invadiu o Sudão, onde crescia o sentimento nacionalista. O Condomínio Anglo-Egípcio fortaleceu a elite árabe, concentrada em Cartum, e aprofundou as diferenças regionais do país

1956 - Independência e guerra civil

Com a independência negociada com Inglaterra e Egito, o Sudão emergiu numa sucessão de guerras civis motivadas pela resistência de minorias étnicas, regionais ou religiosas contra as elites árabes que, entre outras determinações, tentavam impor a rigorosa lei islâmica, a Sharia

Anos 60 a 80 - Disputas por terra

Os grupos étnicos Fur, Masalit e Zagawa – muçulmanos de ascendência africana e maioria da população de Darfur – são freqüentemente atacados por tribos árabes nômades em busca de terras férteis. Os conflitos são contornados por lideranças locais, baseadas em leis herdadas do período Anglo-Egípcio

1998 e 1999 - A crise aumenta

Em 1994, o presidente Al-Bashir reorganiza a administração do país e fortalece o poder dos povos árabes em Darfur. Graves períodos de seca e crises econômicas aumentam o fluxo de árabes na região e, com isso, a intensidade dos conflitos. Em 1999, são destruídas 125 vilas masalits, com centenas de mortos

Abril de 2003 - Estopim para o genocídioO Exército de Libertação do Sudão (ELS) rebela-se e reivindica a divisão dos poderes da elite árabe entre os africanos do estado de Darfur e o fim das invasões das tribos nômades. O governo cria a Força de Defesa Popular (FDP), arma a milícia Janjaweed e inicia um violento processo de limpeza étnica


Os lados do conflito

Exército de Libertação do Sudão (ELS)

Grupo armado do Movimento de Libertação do Sudão, representante dos grupos étnicos africanos Fur, Masalit e Zagawa. Os rebeldes do ELS defendem os povos que são vítimas do genocídio no Sudão. Lutam pela reintegração de Darfur no cenário político nacional e o fim dos privilégios árabes no Sudão

Janjaweed

Principais acusados dos crimes contra a humanidade em Darfur e da morte de cerca de 30 mil civis, incluindo crianças e velhos. Atacam em grupos pequenos de 10 ou 12 pessoas, montados em cavalos ou camelos. Embora o governo negue sua ligação com a milícia, houve ataques conjuntos com a Força Aérea sudanesa

Força de Defesa Popular (FDP)Armado e treinado pelo Exército sudanês, é o braço oficial do governo na luta contra o ELS. Formado por soldados voluntários de tribos árabes com tradição de guerras contra os africanos, é acusado de dificultar o acesso de alimentos e assistência médica aos campos de refugiados

Fonte:Aventuras na História