Maria Teresa Toribio Brittes Lemos
1492 mudou o mundo. Diferentes interpretações e conceitos tentam explicar as origens e os motivos dessa mudança. Mas cada um deles corresponde a diferentes posições ideológicas e pontos de vista dos estudiosos que se debruçam sobre a questão. O que parecia claro a todos é que tamanha transformação não podia ser atribuída apenas ao avanço da técnica ou ser mero reflexo da expansão comercial e marítima e da conquista de mercados, próprias da revolução comercial que se instalou na Europa no final da Idade Média.
Assim, após a constatação da existência de um mundo novo, repleto de surpresas, diferenças e similitudes, era preciso entender historicamente aquele fato. Como classificar esse acontecimento que abalou as formas de pensar do homem quinhentista?
Os conceitos de “descobrimento”e “achamento” têm o mesmo significado e se referem a algo previamente conhecido. Assim, o descobrimento do Novo Mundo, em 1492, não consistiu num fato absolutamente novo, pois já se sabia que havia terras ao ocidente da Europa e que em qualquer momento poderiam ser encontradas. Esse conceito difere de “descoberta”, que significa descobrir algo desconhecido anteriormente, que não se conhecia ou se imaginava conhecer.
De fato, informações sobre ilhas ou regiões situadas no oceano ocidental eram de conhecimento dos homens da Idade Média, por meio de mitos e relatos dos povos antigos, como o de Estrabão (64 a.C.), de Plínio, o Velho (23 d.C.) e de Platão (428 a.C); além da mítica Atlântida, retomada pelo Pseudo-Aristóteles (Livro das Maravilhas) e por Diodoro da Sícilia (século I). Arqueólogos e outros pesquisadores procuram evidências da presença na América de cartagineses, fenícios e gregos, entre outros povos. Expedições marítimas relatavam a existência de terras a oeste da Europa, mas foi a expedição de 1492 que confirmou a existência de um Novo Mundo.
Considerar o encontro como um fenômeno de conquista e dominação, para alguns historiadores, é subestimar a cultura do “outro”. No entanto, considerar um encontro de civilizações também suscita dúvidas, já que o “outro” foi pego de surpresa, vítima da complexidade tecnológica trazida pelos europeus e dos deuses que o abandonaram diante do estrangeiro branco e barbudo, vítima também das discórdias e fragmentações internas, dos ódios e disputas de seus pares.
Por outro lado, considerar o acaso e aceitar que as terras foram achadas é uma forma de pensar mecanicista e simplista. Isso porque houve muito empenho em encontrar riquezas, mapas foram traçados, astrolábios, bússolas e toda a cartografia foram utilizados para descobrir riquezas e engrandecer os países europeus, a Espanha e Portugal.
O conceito de “encontro” é encobridor porque se estabelece ocultando a dominação do mundo europeu sobre o mundo do índio americano. Também não pode ser um encontro de duas culturas, em que o mundo do outro é subjugado e excluído, onde predomina o etnocentrismo, a superioridade da cristandade sobre as religiões indígenas e total desprezo pelos ritos, deuses, mitos e crenças dos nativos.
No México, desde 1984, historiadores debatem o conceito de encontro e apresentaram o conceito de “encobrimento”, por um lado, e a necessidade de desagravo ao índio, por outro. Durante a comemoração do V Centenário do Encontro de Dois Mundos, em 1992, o historiador Miguel Leon Portilla lançou o conceito “Encontrodeduasculturas”, e Felipe Gonzalez, durante as festividades dos 500 anos da América, falou em festejar o descobrimento como um encontro. Era mais uma posição política, em função da integração europeia e da abertura da Espanha à América Latina.
Já o conceito “invenção” foi proposto por Edmundo O’Gorman, que considerou que Cristóvão Colombo tinha certeza de ter chegado à Ásia e constatado naquelas terras algo conhecido anteriormente, mas ainda não explorado. Por isso, chamou os habitantes de “seres asiáticos”. Colombo morreu desconhecendo que havia encontrado um novo continente. Para o autor, “invenção” indicava que a América não foi descoberta ou achada, mas inventada à imagem e semelhança da Europa. Também o reconhecimento dos habitantes como ser asiático é uma invenção que só existiu na imaginação dos grandes navegantes e contribuiu para o desaparecimento do outro. O “índio” americano apenas deu vida a este serinventado.
O conceito de conquista é adotado como prática de dominação. Trata-se de uma concepção jurídico-militar. O conquistador é o primeiro homem moderno ativo, prático, que impõe sua individualidade violenta a outras pessoas, ao outro.
Assim, as ideias dedescobrimento, achamento, invenção e conquista dominam a historiografia sobre as formas como o Velho e o Novo Mundo se complementaram no sistema planeta-mundo.
Maria Teresa Toribio Brittes Lemosé uma das organizadoras de América Latina em construção: sociedade e cultura – século XXI (Nucleas/Uerj, 2011).
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