18.6.12

Constante ameaça

A Guerra Fria acabou, mas o mundo ainda vive sob risco de sofrer uma hecatombe nuclear. Nove países possuem bombas atômicas e o grande temor é que os Estados não sejam mais os únicos com acesso a elas

Alexandre Enrique Leitão

Na edição de maio, a Revista de História traz um artigo sobre a crise dos mísseis soviéticos em Cuba – “Ensaio geral do fim”, de Carlos Frederico Ávila, conta um pouco do momento mais tenso da Guerra Fria. Em complemento ao texto, Alexandre Leitão, pesquisador da RHBN, faz um panorama no site sobre a ameaça nuclear hoje.



O mundo respirou aliviado no Natal de 1991, quando Mikhail Gorbachev renunciava ao governo da União Soviética (URSS), pondo fim a mais de 74 anos de comunismo na Rússia. Achava-se que, por fim, o risco de um holocausto nuclear havia acabado. Duas décadas depois, o perigo se faz presente e ameaçador. Se por um lado, países como o Brasil e a África do Sul aderiram ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, por outro, a fechada Coréia do Norte o abandonou em 2003. O Irã, signatário do Tratado desde 1968, vê aumentarem as suspeitas sobre a natureza de seu programa nuclear, acusado pelos EUA de possuir fins militares.Israel mantém sob sigilo seu programa atômico, havendo relatos de que já possuiria centenas de ogivas. Na Ásia continua a mini Guerra Fria entre Índia e Paquistão, que vem desde a década de 1970, quando ambos realizaram seus primeiros testes nucleares. Entre os dois, o caso mais preocupante é o do Paquistão, por conta da guerrilha talibã que ameaça o governo central. Se ela vencesse, grupos terroristas teriam acesso a todo um arsenal atômico. Já os velhos rivais, Rússia e EUA, por meio do acordo START, em 2010, reduziram um terço da quantidade de suas armas nucleares. Hoje, sabe-se que apenas nove países possuem bombas atômicas – o grande medo é que os Estados não sejam mais os únicos com acesso a elas.



Partindo da crise dos mísseis

Para se entender como a comunidade internacional chegou a este ponto, deve-se partir da Crise dos Mísseis de 1962, quando a URSS alocou mísseis dotados de ogivas nucleares em solo cubano, causando como reação um bloqueio norte-americano da ilha. Considera-se atualmente que o mundo nunca chegou tão perto de uma Terceira Guerra Mundial como naqueles treze dias de outubro. Mais do que isso, a era nuclear, anunciada quando da detonação das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, demonstrava que tal conflito, caso ocorresse, não seria marcado pela imagem das trincheiras, dos tanques, e da mobilização de tropas, mas pelos cogumelos atômicos. A partir de um intenso esforço diplomático entre os governos dos EUA e da União Soviética, o conflito foi sanado, e um esforço conjunto se iniciou em torno do progressivo desarmamento de seus arsenais. Um ano após a crise, o presidente John Kennedy e o premiê Nikita Kruschev assinavam o Tratado de Interdição Parcial de Testes, objetivando banir testes de armas nucleares em terra, no mar e no espaço. O problema estava em que, mesmo com as duas superpotências mundiais chegando a um primeiro acordo, o acesso à tecnologia bélica das bombas atômicas e de hidrogênio parecia democratizar-se. Em 1952, o Reino Unido realizou seu primeiro teste nuclear, seguido oito anos depois pela França de Charles de Gaulle. E em 1964, a China de Mao Tse-Tung, às beiras de declarar o início de sua Revolução Cultural, juntava-se ao seleto grupo dos Estados nucleares.




Encontro de Kennedy e Kruschev na embaixada soviética em Viena, em 1961Um novo mecanismo foi pensado então para suprir as necessidades de desarmamento. Tratou-se do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) de 1968. Originalmente pensado numa esfera exclusivamente russo-americana, seu texto incluía os cinco países até então reconhecidamente detentores de arsenais atômicos, estabelecendo entre eles o compromisso tripartite de longo prazo: não permitir a proliferação das armas em questão; desarmamento; e promoção do uso pacífico da tecnologia nuclear. A terceira bandeira anunciada pelo Tratado visava atender às expectativas dos países em desenvolvimento, então extremamente organizados no bloco não-oficial do Terceiro Mundo. A História, que compõe as últimas décadas da Guerra fria, e as primeiras de nossa época, é uma de frustração dos planos aventados.





Caso do Paquistão

Logo, após inúmeros Estados terem assinado e ratificado o texto de 1968, Índia e Paquistão marcariam as manchetes mundiais. Ambos haviam recusado aceitar os termos do Tratado, enquanto enfrentavam suas próprias tensões militares. Em 1974, na Operação Smiling Buddha, a Índia detonou seu primeiro artefato nuclear. O Paquistão, entretanto, mantinha um programa de tecnologia nuclear para fins bélicos desde o início da década. Levariam ainda alguns anos, mas em maio de 1998, quinze dias após a Índia realizar o segundo teste de sua história, o Paquistão executava o seu primeiro, detonando cinco artefatos nas montanhas Chagai. Tornava-se assim o primeiro Estado majoritariamente muçulmano a dispor desse tipo de arsenal. As preocupações em torno dos armamentos paquistaneses aumentaram consideravelmente em 2009. A guerrilha talibã, que transpunha a fronteira afegã, começava a ameaçar o governo central em Islamabad. Se tomassem a capital ou desestruturassem o comando do Estado paquistanês, os fundamentalistas poderiam ter acesso ao arsenal, agregando ao risco de conflito nuclear com a Índia a possibilidade da utilização de bombas-A em ataques terroristas.






Presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em conferência sobre enriquecimento de urânio no paísOriente Médio



Deixando a Ásia Central e indo até o Oriente Médio, dois países congregam agora as atenções do mundo: Israel e Irã. O Estado de Israel, que jamais assinou o Tratado de Não-Proliferação, mantém até hoje sob uma penumbra de mistério, a verdadeira natureza de seu arsenal, sem sequer admitir a posse de armas nucleares. O ex-presidente norte-americano, Jimmy Carter, no entanto, vazou, em 2008, a informação de que Israel teria aproximadamente 150 ogivas. O Irã, por sua vez, está sob o escrutínio da Agência Internacional de Energia Atômica, que o acusa de usar seu programa de enriquecimento de urânio para fins militares. Israel vem deixando claro que não permitirá que o Irã desenvolva esse tipo de arsenal, o que aventa a possibilidade uma guerra entre os dois países.

Já no front de desarmamentos bem-sucedidos, a década de 1990 viu os Estados recém-independentes da Ásia Central e do Leste Europeu abrirem mão de seus arsenais. Os novos países, como a Bielorússia e a Ucrânia, todos ex-repúblicas soviéticas, em cujos territórios o Exército Vermelho havia construído silos de mísseis e bases de lançamento nuclear, passaram por um rápido programa de desarmamento, aceitando transferir todo o arsenal para a Rússia. A África do Sul tornou-se inclusive um caso simbólico. O país nutria, desde a década de 1940, o desejo de possuir a bomba-A. Tendo desenvolvido um programa de enriquecimento de Urânio, chegou a produzir seis artefatos. O regime do apartheidacreditava que, possuindo tais armas, poderia defender-se de uma tomada comunista do continente africano, que vislumbrava no exemplo do regime marxista de Angola. Já em fins dos anos 1980, quando adentrava em seu período de abertura democrática, a África do Sul tornou-se o primeiro Estado a fechar voluntariamente seu programa nuclear, desmantelando as ogivas das quais dispunha.



Coréia do Norte

Caminho contrário tomou a Coréia do Norte. Sendo signatária do TNP, denunciou o Tratado em 2003, dele se retirando. Três anos depois detonou seu primeiro artefato nuclear, realizando um segundo teste em 2009. Como conseqüência, aumentaram as tensões com a vizinha Coréia do Sul e com o Japão, que recentemente se puseram em estado de alerta quando a Coréia do Norte anunciou que testaria em abril seu novo foguete, no intuito de colocar um satélite em órbita. Sobre o regime de Pyongyang pesavam acusações de que o lançamento teria fins militares, constituindo um teste de míssil balístico de longo alcance. De acordo com autoridades norte-americanas, japonesas e sul-coreanas, o foguete teria quebrado e caído no mar logo após sua partida. O que foi rapidamente celebrado como um fiasco acabou adquirindo a função de lembrar ao mundo a dificuldade de conter o acesso à tecnologia nuclear. O perigo agora é que os Estados não sejam mais os únicos a disporem da mesma.




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