3.6.12

As Mulheres e o Poder na Roma Antiga

Por: Cláudia Ribeiro Silva

A mulher na Roma arcaica tem suas funções limitadas à produção de membros para a defesa e o desenvolvimento do Estado. Muito embora em teoria seja vista como igual aos homens, na pratica as formas jurídicas dos primeiros tempos irão submete-la a séculos de exclusão social. Mas as conquistas territoriais feitas pelo romano, e o contato deste com outros povos, irá trazer a este império não apenas riquezas, mas também novas formas de cultura e discernimento de novos valores morais, que levarão a cabo suas concepções arcaicas de sociedade, principalmente no que tange a influência feminina junto ao público.

No entanto o que realmente pesará para que a mulher saia da obscuridade que lhe fora imposta por séculos, será principalmente o poder que estas irão adquirir ao tomarem posse de sua herança material e moral.
Como os romanos “classificavam” as mulheres?

Os romanos dos primeiros tempos classificavam as mulheres em duas categorias; as que deviam ser protegidas, e as cuja pureza não importava. As mulheres oriundas das famílias da aristocracia romana eram da primeira categoria, as que deveriam ser protegidas. Estas eram consideradas sagradas, pois só o casamento entre romanos gerava cidadãos para Roma. Segundo o autor Pierre Grimal,


“Consideradas oficialmente como simples companheiras, elas querem entretanto desempenhar um papel determinante no exercício ou na transmissão de um poder da qual o costume e a lei as exclui.”[1]

Mas para se entender a emancipação da mulher é necessário que se compreenda que o amor e o casamento não são conseqüências um do outro, e que apesar de necessário o casamento não é um prazer, mas um dever de procriação, pois o Estado precisa de novos cidadãos para serví-lo na paz e na guerra. Na velha moral a esposa era “função” de cidadão e chefes de família, além de uma das numerosas decisões dinásticas. Para a mulher no entanto o casamento não passaria de uma honrosa prisão.

Não obstante, o mesmo Grimal defende que a instituição do casamento era uma das mais sólidas e respeitadas, pois era a garantia da grandeza de Roma. E que ao contrário do que parece a mulher não era escrava. Além do que, a vida civil autônoma não era negada somente a elas, mas também aos filhos, pois toda a autoridade pertencia aos chefes de família.

Para o romano o casamento é a comunhão entre o direito divino e o humano, uma criação, pois com ele começava uma associação que ultrapassava os cônjuges. O marido não seria amo e sim seu equivalente. O autor também nos diz que havia três formas de casamentos, não exatamente diferentes, pois eram apenas diferentes ritos juridicamente equivalentes, destinados a tornar a jovem esposa pupila de seu marido.

Eram eles: o Confrarreatio na velha sociedade patrícia, o Coemptio que cai em desuso no final da República, e o casamento de fato per usum que na prática fazia analogia a transmissão de propriedade, que em longo prazo permanecerá com o pai e em certa medida aos poucos terá efeito emancipador sobre as mulheres[2].

A mudança de valores morais ocorrida a partir do século II a.C e a dissolução dos valores antigos não se devem somente ao movimento de expansão, às guerras e indenizações de guerra ou no pensamento grego, mas em certa medida no nascimento de uma espécie de capitalismo. Jean-Noël Robert nos diz que antes mesmo das guerras púnicas, Roma já era uma cidade poderosa.

As guerras de expansão trouxeram a Roma não apenas novos valores à sociedade, mas tambémincontáveis riquezas. Roma era agora a capital de todo o mundo conhecido. A rústica civilização baseada no trabalho dará lugar a uma sociedade urbana ociosa. As fortunas agora são grande fonte de poder. A mudança de valores morais irá contribuir para a evolução jurídica do casamento. A patrícia romana que até então ignora qualquer prazer em sociedade, pois é educada estritamente para o casamento, vai adquirir cultura e refinamento, para assim poder se manifestar ainda que indiretamente de forma pública.


Atrizes interpretando mulheres romanas na série Spartacus: ali também tem um pouco de realidade na ficção.

No entanto o casamento ainda era uma instituição que firmava o orgulho de casta. Grimal diz que o casamento não garantia felicidade ou o prazer conjugal, mas à medida que as mulheres conquistam a liberdade tomam conciência de seu papel. Nos últimos anos da República a emancipação quase que total da mulher, pois agora elas também adquirem o direito ao divórcio e a gerir sua própria fortuna e ao enviuvar casam novamente, pelo coração ou pela ambição, em geral tornam-se grandes mulheres de negócios.
Mas estas mudanças bastaram para melhorar a condição das romanas casadas?

O escritor romano Suetônio em seu livro “A vida dos doze Césares” relata que já durante o império a instituição do casamento era um dos instrumentos que possibilitavam a aliança de apoio mutuo entre as Gens, e que poderiam determinar a ascensão de dinastias. Os cônjuges antes escolhidos pelo princípio agora são escolhidos pela conveniência. O casamento per usum garantindo a tutela nas mãos do pai e a manutenção dos bens da esposa consigo, irá servir aos interesses de sua própria gens, e passa a interferir nas carreiras.

Sem dúvida pode-se afirmar que a partir da evolução jurídica do casamento que a mulher romana irá imiscuir-se cada vez mais nos assuntos relacionados ao Estado. A interferência antes realizada através da religião será respaldada pela força do orgulho de casta, pela aquisição de uma cultura superior, e pelo poder moral, político e econômico e que estas herdarão de seus pais. Jean-Noël Robert defende que…


“portanto, dado o valor puramente jurídico e moral do casamento, pode se dizer que a mulher vai conquistar uma certa liberdade à custa de seu dever.”[3]

No entanto e necessário observar que, já no nascimento do mundo romano, ainda que em seus rústicos e austeros primeiros dias, é que se inicia o processo de ascensão da mulher Grimal relata:


“…Em Roma todo o sexo feminino que via reconhecida oficialmente a sua função essencial na sociedade – e não só a função à qual a natureza o destina, que é a fecundidade. Tantas honras acumuladas surpreende quem pretende considerar apenas a condição jurídica da mulher romana na época arcaica. Na realidade a lenda nos mostra que é preciso atenuar as conclusões que acreditaríamos dever tirar dos textos jurídicos. Na verdade o nascimento de Roma assinalou a ascensão da mulher e instaurou o reconhecimento de valores quase inteiramente estranhos à idade heróica do mundo Grego.”[4]

Diferentemente do que ocorrera na idade heróica do mundo Grego, o próprio surgimento do mundo romano assinala a ascensão da mulher. Desde sua fundação a sociedade romana ira encarar o sexo feminino como par equivalente ao masculino. Muito embora o endurecimento das formas jurídicas do período arcaico tenha tentado ocultar o verdadeiro papel da romana na construção de sua sociedade, infligindo a esta uma posição inferior.

Por conta disto o casamento romano dos primeiros tempos revela-se sombrio. A mulher não possui autonomia. Não obstante, quando a velha moral dá lugar a uma nova, e a humanização substitui a rude virtude guerreira, o romano se torna mais complacente à influencia feminina. Ao tornar-se companheira e não mais pupila esta irá imiscuir-se da vida pública de seu marido e seus filhos.

Munidas da liberdade obtida pela evolução jurídica e de costumes, existiram em Roma muitas patrícias cuja influencia herdada de seus pais e a herança que possuíam as tornavam influentes dentro da Urbe, por força de suas grandes fortunas, que a nova ordem irá estabelecer como fonte de poder político. Por conta disto, algumas destas mulheres não só interferirão como irão manipular o poder em Roma, para seus maridos, seus filhos, e até para si mesmas.
Sim, algumas mulheres mandaram em Roma!

Muito embora em teoria este poder feminino fosse impossível, pelo Direito, de ser exercido, um dado número de exemplos nos leva a crer que foi exercido de fato. Alguns desses exemplos chegaram até nós. E este poder será de grande proporção uma vez que já na Antiguidade Tardia, segundo Philippe Áries, o mundo romano agora cristão irá providenciar formas de se evitar que “desponte a ameaça de mulheres virem a exercer influencia na igreja graças a sua fortuna, cultura ou coragem superior.”[5]

Segundo Áries, no fim do século IV estas mulheres, membros da aristocracia senatorial, são tão influentes que o clero, temendo este poder, veta toda e qualquer possibilidade das mulheres terem acesso ao poder público dentro da Igreja. Este poder se consolida de tal forma que até mesmo irá sobrepujar as leis que tentavam subjugá-lo. Haverá em Roma Imperatrizes-consortes que se tornarão, não pelo Direito, mas Imperadores de fato, mulheres que se tornarão Paterfamílias [6], até mesmo no comando de legiões.

Ao longo de doze séculos da civilização romana os costumes evoluíram e embora as mulheres devessem se ater à vida particular, frequentemente desempenhavam papéis importantes na política. Áries e Duby, no entanto nos diz:


“O que se chamou de ‘emancipação’ no começo do império era essencialmente uma liberdade nascida do desdém. As mulheres da classe senatorial podiam fazer o que quisessem desde que não interferissem com a política”.[7]


Estátua da imperatriz Livia

É provável que na maior parte dos casos isso tenha ocorrido, mas os indícios trazidos até nós nos dão conta de que existiam sim mulheres de grande influência no Estado romano.Algumas foram extremamente poderosas, a ponto de exercerem poder sobre todo Império.

A exemplo de Cornélia, filha de Cipião o Africano, mãe dos Gracos que, de acordo com Grimal, a proporção de sua influência era tal que esta ao enviuvar foi pedida em casamento por Ptolomeu Evergara – rei do Egito à época -, que esperava obter com essa aliança auxílo dos poderosos de Roma na guerra contra o seu irmão, pois à volta de Cornélia estariam os homens que decidiam os destinos de Roma. Esta seria a responsável pelos ideais que influenciaram os filhos, pelas correntes de pensamento que agitaram seu século e pela crise que assinala o declínio da República Aristocrática na Roma do século II a.C.

Podemos também citar a imperatriz Lívia que, sem a qual, segundo Suêtonio e Grimal, o Império não teria se consolidado. Ou ainda a imperatriz Agripina, que de acordo com Suetônio, “após sua ascensão, Nero entrega à mãe a administração soberana de todos os negócios públicos e privados de Roma”[8] . E pelo relato de Grimal, “em cinco anos destrói a autoridade de Cláudio, impõe Nero como seu sucessor, e concretiza o que os reinos anteriores não conseguiram: a unidade política de Roma”.[9]
Conclusão:

Ao longo de doze séculos da civilização romana os costumes evoluíram. A rígida moral necessária ao período arcaico e ao processo de construção do mundo romano irá se adaptar às necessidades inerentes à consolidação desta civilização. À medida que Roma se consolida e expande suas fronteiras, entrando em contato com outros povos e culturas, a necessidade de normas jurídicas mais flexíveis não significará o abandono dos valores que alicerçaram os romanos como uma grande nação, mas um passo rumo a novos tempos.

Dentro deste processo estão incluídos os mecanismos que estruturam o casamento romano, que seria para esta civilização o núcleo primordial de sua sociedade, e um dos seus principais pilares de sustentação. Sendo assim, uma vez que os costumes e as normas jurídicas que regem o casamento, a família e consequentemente o Estado, torna-se mais flexível, dará à patrícia romana uma mobilidade social, antes inconcebível em função da rudeza dos tempos arcaicos.

É a partir do século II a.C que estas transformações podem ser observadas, mesmo antes que esta sociedade toma-se os rumos que por fim possibilitaram as mulheres da classe senatorial uma certa mobilidade social. As patrícias romanas cultivaram ao longo da história de Roma o orgulho de suas gens . Este orgulho de casta fará com que estas possam buscar meios de se manifestar publicamente mesmo quando não era possível.

Mesmo quando a interferência feminina passa a ser tolerada, pela tradição herdada de seus nomes, ou por suas fortunas, a patrícia romana ainda assim não poderá exercer cargos públicos. Por conta desta impossibilidade muitas farão suas “carreiras” através de seus filhos, de seus maridos ou seus irmãos.

E através dos homens de sua família, a princípio, que estas mulheres irão exercer uma influência e um poder por vezes superior ao de seus pares. A influência que num primeiro momento se restringe aos da sua casta irá estender-se ao seu círculo de amigos. O poder que lhes confere o direito ao divórcio e ao acúmulo e controle de suas heranças, irá tornar a romana uma negociável fonte de poder e prestígio. Algumas ao se tornarem objetos de ascensão, não mais se contentarão em apenas exercer influência indireta, irão construir em torno de si círculos de poder. Um poder pessoal e direto que transcenderá a razão das leis escritas ou consuetudinárias. Estas se tornarão dignas de serem lembradas até nossos dias, pela coragem e inteligências superiores com que conduziram suas “carreiras”, e os rumos de sua sociedade.
Notas e fontes:

[1] GRIMAL, Pierre. “O amor em Roma“. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Pág. 21

[2] – “Confarreatio” era a forma de casamento religioso utilizado no período pré-clássico romano. Era um casamento caracterizado pelo apego as tradições e por um misto de religiosidade e festas.
- “Coemptio” era a modalidade de casamento que começou a ser usada quando da possibilidade de união entre patrícios e plebeus. Era uma espécie de venda simbólica, solene da mulher ao marido. Com a generalização da “Coemptio”, a “Confarreatio” foi caindo em desuso. O casamento atual tem uma relação histórica com essa forma de casamento, devido ao seu enfoque contratual.
- “Per usum” era a forma de casamento mais habitual na República Romana; era o casamento de fato, que se tornava de direito após um ano de coabitação contínua. Para escapar da consolidação do casamento e da conseqüente “Manu” (“manu” era o poder do PaterFamilias sobre a mulher) do marido, a mulher ausentava-se de casa por três noites consecutivas, interrompendo o “Usus”.

[3] ROBERT, Jean-Noël. “Os prazeres em Roma“. São Paulo: Martins Fontes, 1995. pág. 191.

[4] GRIMAL, Pierre. “O amor em Roma“. São Paulo: Martins Fontes, 1991. pág. 26.

[5] ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. “História da vida privada I: do Império Romano ao ano mil“. 19ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. Pág. 269

[6] “Paterfamílias” era o chefe supremo, quase sacerdote.

[7] ARIÈS, Philippe; DUBY, Georges. “História da vida privada I: do Império Romano ao ano mil“. 19ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. Pág. 238

[8] SUETÔNIO. “A vida dos doze Césares“. 5ª ed. São Paulo: Ediouro, 2003. Pág. 347

[9] GRIMAL, Pierre. “O amor em Roma“. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

- Todas as definições dos termos romanos foram retirados de MACHADO, Moacyr. S. M; (org). “Apostila do Direito Romano: Pessoa e Direito Família“. Pernambuco. Universidade Federal de Pernambuco

Fonte: http://www.historiazine.com/2012/01/as-mulheres-e-o-poder-na-roma-antiga.html