A Cruzada das Crianças, também conhecida como Cruzada dos Inocentes, é um episódio da Idade Média que mistura fantasia e realidade. Ela teria ocorrido provavelmente no ano de 1212 quando jovens e crianças migraram a partir da França em direção a Jerusalém. A cruzada tinha por objetivo converter muçulmanos e tomar de volta a Terra Santa. O evento faz parte de uma série de cruzadas ocorridas no período. Para justificar as derrotas anteriores, difundiu-se a lenda de que o Santo Sepulcro só poderia ser conquistado por crianças, pois estas estariam isentas de pecados, sendo assim protegidas por Deus. Os relatos apontam diferenças em relação ao local – alguns remetem a origem à França, outros à Alemanha – mas vários elementos em comum podem ser encontrados: um rapaz conduzindo um vasto grupo de crianças e jovens menores de idade marchando para o sul da Europa com o objetivo de retomar a Terra Santa. Alguns historiadores sugerem que os cruzados de 1212 não eram apenas crianças, mas milhares de camponeses, mendigos e doentes; pessoas à margem da sociedade. Outros apontam a possibilidade de que as crianças seriam na verdade jovens homens, pois o próprio conceito de criança era muito diferente do que é hoje. Além disso, a palavra latina pueri que aparece em relatos pode ter sido mal traduzida. O termo se refere tanto a ‘homens jovens’ quanto à ‘crianças’. As lendas estão diretamente ligadas às migrações, acontecimentos comuns no início do século XIII na Europa. A população crescera bastante e havia muitos camponeses sem terras que viviam em trânsito ou à beira das estradas. Esse público era suscetível aos pregadores messiânicos que dominavam a cena religiosa do período. A versão mais popular começa quando um pastor francês chamado Estevão de Cloyes chega à cidade de Saint Denis e se junta a religiosos e peregrinos que voltavam do Oriente pregando a realização de uma nova cruzada. Ele revelou que tivera uma visão na qual Jesus o convocava a liderar o resgate da Terra Santa, mas avisava que apenas os puros de coração poderiam realizar a proeza. Milagres foram atribuídos ao jovem e um renovado fervor religioso se estendeu por toda a Europa. Milhares de crianças aderiram à causa. Depois de peregrinar em direção ao sul do continente, o jovem líder teria ordenado ao Mediterrâneo que lhes desse passagem, o milagre, porém, não aconteceu, e acabaram aceitando a oferta de mercadores que se ofereceram para levar os cruzados de navio para a Terra Santa. Os jovens que sobreviveram à viagem, entretanto, tornaram-se prisioneiros sendo vendidos como escravos aos árabes muçulmanos. Leia mais: Fontes:
http://historia.abril.com.br/religiao/fracassos-europeus-lado-b-cruzadas-434458.shtml
http://historia.abril.com.br/religiao/cruzadas-criancas-433547.shtml
http://www.jstor.org/pss/27666637
http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=cNL6bLKpBScC&oi=fnd&pg=PA11&dq=%22Cruzada+das+Crian%C3%A7as%22&ots=3HL6UM400G&sig=XEXmia_X24hHrz253F-8ss-NV6I#v=onepage&q=%22Cruzada%20das%20Crian%C3%A7as%22&f=false
http://en.wikipedia.org/wiki/Children’s_Crusade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada_das_Crianças
26.1.10
Cruzada das Crianças
Heróis Fora da Lei
Eles mataram, saquearam, aterrorizavam cidades e, ainda sim, foram adorados.
Legendas:
(?) Herói/Heróina
(¿)Onde atuava
($) Recompensa (Atualizada em reais)
(±)Body Count (Contagem de Corpos)
(?) Idade em que Morreu.
(?) Ned Kelly (1855-1880)
(¿) Victória, Austrália
($) 211 mil (±) – (?) 25 anos
Ladrão de gado e de bancos, Ned ganhou a simpatia de milhares de australianos ao doar parte da grana aos pobres. Inimigo das autoridades, oferecia recompensas pelas cabeças de policiais e ele próprio chegou a “despachar” três xerifes. Na sua ultima batalha, enfrentou sozinho 50 homens vestindo uma armadura de ferro improvisada. Acabou levando 28 tiros, mas não morreu, indo a julgamento. Mesmo após um abaixo-assinado com mais de 30 mil assinaturas contrárias à sua execução, Ned foi enforcado e, depois, decapitado
Rainha dos Bandidos(?) Phoolan Devi (1963-2001)
(¿) Uttar Pradesh, Índia
($) 49 mil (±) Cerca de 50 pessoas (?) 38 anos
A turbulenta história da indiana Phoolan Devi, a Rainha dos Bandidos, começou na adolescência, quando ela passou a viver com uma gangue de gatunos. Só que eles doavam parte dos lucros aos pobres, ganhando a proteção da comunidade. A coisa esquentou quando certo dia, Devi reconheceu na rua os caras que a haviam violentado aos 16 anos. Sedenta de vingança, ela fuzilou 22 homens em fila Indiana. Após 11 anos na prisão, foi eleita deputada, mas acabou sendo assassinada numa emboscada por rivais. Símbolo de luta nas classes mais baixas, ela virou até boneca na Índia.
Cabra Macho(?) Lampião (1897-1938)
(¿) Brasil
($) 113 mil (±) – (?) 41 anos
Foi para vingar a morte do pai que, aos 23 anos Lampião juntou-se ao cangaço. Ele e seu bando matavam, roubavam e cometiam inúmeras crueldades. Ainda assim, em meio ao cenário de exploração do povo pelos “coronéis” no nordeste, Lampião era visto por muito como protetor dos desvalidos, distribuindo dinheiro – e autógrafos – por onde ia. Traído por um de seus homens, ele, sua companheira Maria Bonita, e vários membros do bando foram mortos pela polícia em uma emboscada.
?
Um Morto por Ano de Vida(?) Billy the Kid (1859-1881)
(¿) Novo México, EUA
($) 19 mil (±) 21 pessoas (?) 21 anos
Billy the Kid entrou pra vida do crime quase por acaso. Aos 17 anos, durante uma briga no Arizona, sua arma disparou sem querer, matando um ferreiro. Ele se mandou para o Novo México, onde, em poucos anos, tornou-se uma figura lendária entre a população ao se envolver em vários duelos e participar da morte de um bando de gente. Sua fama, contudo, não durou muito. Billy foi assassinado pelo xerife Pat Garret, que mais tarde ainda escreveu um livro sensacionalista narrando a história do fora-da-lei mais famoso do Oeste, ajudando a reforçar o mito em torno de Billy.
Criminoso de Sangue Quente(?) Ishikawa Goemon (1558-1594)
(¿) Japão
($) Desconhecida (±) – (?) 36 anos
Um dos maiores bandidos japoneses, Ishikawa Goemon ficou mais conhecido pelo modo cruel como morreu do que pela quantidade de pessoas que mandou para o além. Adorado pelo povo por roubar ouro e dividir com as pessoas, certo dia, Ishikawa resolveu invadir o castelo para matar o rei, tido como um déspota pela população. Só que ele acabou sendo pego pelos samurais do monarca, que não teve a menor simpatia pelo ladrão bonzinho: Ishikawa foi condenado à morte em um caldeirão de óleo fervente.
Bandoleiro Revolucionário(?) Pancho Villa (1878-1923)
(¿) México ($) 180 mil
(±) – (?) 36 anos
Aos 16 anos, ao ver um fazendeiro abusar da sua irmã, Pancho sacou a pistola e o matou na hora. Estava dado o pontapé inicial em sua luta contra a reforma agrária e contra a ditadura que rolava no México. Em protesto contra o apoio dos EUA ao ditador, Pancho chegou até atacar uma cidade americana, tornando-se o primeiro inimigo dos EUA, a ser caçado fora do solo americano. Herói da Revolução Mexicana, mais temido pelos rivais por sua influência junto às populações pobres – que o viam como um salvador -. Pancho Villa foi morto crivado de balas em uma cilada.
Inimigo Público Nº 1
(?) Charles “Pretty Boy” Floyd (1904-1934)
(¿) Ohio, EUA ($) 684 mil
(±) - (?) 30 anos
Ingressado na bandidagem após se revoltar com o assassinato do pai, Pretty Boy foi mais um figura odiado pela policia e idolatrado pelo povo. Não foi a toa. O cara assaltou dezenas de banco, onde sempre rasgava papéis de hipotecas, deixando muita gente livre das dividas. Tido como inimigo público nº 1 dos EUA, foi morto por agentes do FBI. O sujeito era tão querido que cerca de 20 mil pessoas compareceram para dar o ultimo adeus ao seu “benfeitor”.
???
(?) Joaquim Murietta (1829-1853)
(¿) Califórnia, EUA ($) 257 mil
(±) – (?) 24 anos
Murietta foi um dos milhares de latino que rumaram para o oeste dos EUA atraídos pelo sonho do ouro. Mas a coisa já começou mal. Alguns americanos teriam estuprado sua esposa, o que fez jurar vingança. Logo ele fazia parte de uma gangue que roubava e matava policiais. Também passou a ser endeusado pelos oprimidos, ao lutar contra a série de abusos cometidos pela “Justiça” local. Fonte de inspiração para a criação do Zorro, Murietta acabou sendo preso e decapitado.
Romeu e Julieta do Submundo(?) Bonnie (1910-1934) e Clyde (1909 – 1934)
(¿) Texas ($) 72 mil
(±) 14 pessoas (?) 23(B) e 24 anos (C)
Uma das histórias de amor bandido mais famosa do cinema, Bonnie e Clyde se conheceram por volta dos 20 anos. Juntos, roubaram bancos e lojas, além de seqüestrar uma penca de gente. Ainda assim, a vida do casal foi romantizada pela população, que torcia e acompanhava pelos jornais as incríveis fugas da dupla. O romance, contudo, terminou de forma trágica quando Bonnie – que, alías, nunca havia matado ninguém – e Clyde foram mortos crivados de balas durante uma perseguição.
O Robin Hood da Sicília(?) Salvatoire Giuliano (1922 – 1950)
(¿)Itália ($) –
(±) Junto com sua gangue, mais de 200 pessoas (?) 28 anos
Além do currículo de malandragem, alguns ficaram famosos também pela beleza e simpatia. É o caso de Salvatoire Giuliano, membro de um bando da Sicília que roubava e matava a torto e a direito – com centenas de integrantes o grupo liquidou cerca de 200 pessoas. Esperto, Salvatoire compartilhava a grana com as pessoas da comunidade, que acabavam protegendo ele e sua turma. Isso, contudo, não evitou que se desse mal. O galã foi morto enquanto dormia – suspeita-se que pelo próprio primo, que estaria a serviço da máfia.
Charme Marginal(?) Belle Starr (1848-1889)
(¿) Oklahoma, EUA ($) 419 mil
(±) – (?) 41 anos
Após se casar com Sam Starr um índio cherokee, Belle formou uma gangue e botou o terror na região. Mentora dos crimes, Belle usava sua inteligência – e seu charme – para seduzir os xerifes, que acabavam agindo ao seu favor. Essa aura de sedutora fatal foi o combustível de sua fama entre milhares de pessoas. Após três casamentos, Belle foi encontrada morta um dia – suspeita-se que o assassino tenha sido o próprio marido, que torrou a recompensa em uísque.
Fonte: Revista Mundo Estranho – Dezembro de 2009
Deus e o Diabo no imaginário feudal.
1. A Idade Média 1.1 A Idade das Trevas É irônica a constatação da diversidade de juízos perante o tema da Idade Média. Como é de se esperar, se escolhermos os dados de modo tendencioso o pesquisador vai fustigar para a pesquisa defeitos e atitudes viciosas. Poderá ser construída uma interpretação que lhe agrada mas não condiz com a verdade. Poderá ser destacado como crítica a falta de objetividade para apreender a realidade, causada pela interferência de elementos puramente subjetivos, como os preconceitos, por exemplo. Geralmente associa-se a Idade Média um período de obscurantismo, de trevas, de arcaísmo. Essa alcunha latina Aetas obscura ou mesmo inglesa de Dark Age, se difundiu bastante e foi construída pelos humanistas renascentistas, inspirados por novos ideais estéticos. É realmente muito corrente a marca de uma Idade Média imóvel, sem atividades bancárias, estagnada, estacionária economicamente em virtude da condenação da usura e do lucro. Afirmavam “frequentemente que o mercador medieval teria sido incomodado na sua actividade profissional e rebaixado no seu meio social devido à atitude da Igreja para com ele. Condenado por ela, mesmo no exercício da sua actividade, teria sido uma espécie de pária da sociedade medieval dominada pela influência cristã.” (LE GOFF, 1991:55). Na teoria demoniza-se o labor do mercador, na prática “a Igreja depressa acolheu o mercador, rapidamente admitiu o essencial das suas práticas. Longe de ter sido um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo, devemos perguntar-nos mesmo se ela o terá servido involuntariamente, até pela sua hostilidade." (LE GOFF, 1991: 74). Existem milhares de maneiras de se questionar a ordem vigente. Evidentemente, os mercadores não estavam inclusos no modelo ideológico estabilizador planejado pela Igreja: “Uns rezam, outros combatem, e outros trabalham.” Os trabalhadores estavam na mais baixa camada social entretanto é difícil imaginar um trabalhador medieval , pois “apresentavam uma grande diversidade de condições, desde camponeses livres até escravos." (FRANCO JUNIOR, 1983:38). "O sistema feudal repousa economicamente na posse da terra e no direito de cobrar um certo número de taxas. Isso gera uma hierarquia social e uma hierarquia de poderes." ( LE GOFF ,2007: 66). O paternalismo deste sistema envolve um intercâmbio de poder e auxílio, obrigações mútuas entre suserano e vassalo, protetor e protegido, senhor e dependentes. Cada indivíduo estava ligado a um senhor por laços de parentesco, obrigações ou interesse. "Institucionalmente, diante da fraqueza do Estado e da necessidade de segurança, desenvolviam-se as relações pessoais, diretas, sem intermediação do Estado. Estreitaram-se assim os laços de sangue, as relações dentro das famílias, das linhagens, grupos cuja solidariedade interior podia melhor proteger os indivíduos em relação ao exterior." (FRANCO JUNIOR, 1983:43). No topo dessa hierarquia vêm o Rei. "Duas funções fundamentais são reconhecidas ao rei: ele deve garantir a paz e a justiça. O cuidado de manter a paz, essencial ao bem público e assegurada pela Igreja durante certo tempo, retorna, pouco a pouco, para os soberanos. Disso decorre, sobretudo, o direito de levar a cabo guerras justas"(BASCHET, 2006: 161). Essa função revela um "traço psicológico: a contratualidade. Presente na verdade em muitas religiões pré-cristãs, esse dado foi reforçado pelo cristianismo e contribuiu para o próprio contratualismo social, político e econômico e militar dos séculos X-XIII, sendo por sua vez influenciado por este. Assim, não é de se estranhar que Deus fosse visto como Senhor e o homem como vassalo" (FRANCO JUNIOR, 1983:60) 1.2 A Bela Idade Média "A expressão "bela Idade Média" também corresponde à idéia de que houve uma clareira entre duas fases sombrias, nesse longo período de mais de mil anos entre a queda do Império Romano(fim do século V) e o descobrimento da América(fim do século XV). (LE GOFF ,2008: 54). A clareira do Ocidente encontra-se mais particularmente entre o século XI e o século XIV. Momento de crescimento urbano, populacional, intenso comércio, desenvolvimento da arquitetura. Até pouco antes das grandes navegações, os valores e o comportamento estavam ligados ao caráter agrícola, característica de quase todas as sociedades pré-industriais. "Sem dúvida, porém, o principal tipo de trabalhador no Feudalismo eram os servos. Contudo, não é fácil acompanhar a passagem da escravidão para a servidão. Ela se deu lentamente, com variações regionais, mas sempre acompanhando o caráter cada vez mais agrário da sociedade ocidental." (FRANCO JUNIOR, 1983:39). Para os economistas o trabalho é a fonte da riqueza, o trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana. Já para os teólogos: o trabalho na Idade Média, hora tinha peso de penitência redentora, hora tinha peso de entusiasmo. "A Bíblia mostra, como se sabe, o homem condenado, por sua própria culpa, a ganhar o pão com o suor de seu rosto. O trabalho é uma maldição. Antes da queda, entretanto, o homem - a Bíblia também o diz - participava com alegria do trabalho do Criador." (LE GOFF, 2008:77 ). A expulsão do paraíso é um divisor de águas na significação do trabalho. Como visto anteriormente, pela paciência a Igreja dobrou-se para o trabalho dos mercadores, parte do mesmo “fenômeno urbano na Idade Média Central” que está “associada ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais.” Está também “a função militar e, sobretudo, a presença de uma autoridade episcopal, condal ou principesa, que suscita a manutenção de uma corte numerosa cria um efeito de atração, são igualmente decisivas. (BASCHET, 2006: 145). Esses enxergam o trabalho manual como aviltante, apenas os servos devem trabalhar, pois o trabalho tem uma forte carga negativa. "Seguindo o modelo das cortes terrestres, as cortes celestes se enriqueceram para se debruçar mais sobre os cristãos cá de baixo: os valores do Céu desceram sobre a Terra."(LE GOFF ,2008: 65). "Entretanto, a cidade é, incontestavelmente, a partir do século XII, um mundo novo. Nela, desenvolvem-se atividades novas e esboçam-se mentalidades singulares, ao passo que a Igreja demoniza a cidade, moderna Babilônia, lugar de pecados e tentações." (BASCHET, 2006: 153). "É preciso evocar, igualmente, a praça pública, onde se erguem a administração municipal e a torre do sino, as numerosas tavernas, os "Banhos públicos" e outros lugares onde as autoridades municipais do fim da Idade Média procuram organizar a prostituição, tida como um "serviço coletivo" útil à paz pública." (BASCHET, 2006: 153). "O controle eclesiástico sobre os valores culturais e mentais era exercido através de vários canais. O sistema de ensino, monopolizado pela Igreja até o século XIII, permitia a reprodução do corpo de idéias que ia sendo selecionado e formulado por ela." (FRANCO JUNIOR, 1983:58) Ergueu-se mesmo uma doutrina corporal que penetrava em diversos segmentos do comportamento humano."Os polemistas cristãos, em virtude da natureza da crença que professavam, não reconheceram qualquer grau de sacralidade, nem reconheceram qualquer vinculação do riso com a divindade, tal qual ocorria na tradição pagã que o tanto procuraram combater. Nos sistemas de valores do cristianismo, este foi dessacralizado e reduzido à categoria de gesto profano." (MACEDO, 1997: 53). 2. O imaginário Os homens da Idade Média estavam convencidos de que mesmo que a natureza gere todos os homens iguais a criação não deve ser governada em igualdade, pois homologamente a corte celeste, com suas divisões de arcanjos e subdivisões de querubins, atendem o padrão de pureza e perfeição que a sociedade terreal quer se espelhar, logo também vai existir necessariamente uma hierarquia para fundamentar a ideologia de harmonia social fundada na trifuncionalidade de serviços mútuos. Por volta do ano mil (1023-1025) a literatura ocidental articula a teoria das três ordens do corpo feudal. Postula-se uma explicação naturalista que justifica a desigualdade entre as classes. O autor é o bispo Gerardo de Cambrai, em virtude do seu ofício julga dever demonstrar, perante o mundo, “que, desde a origem, o género ,humano se dividiu em três: as gentes da oração, os cultivadores e as gentes de guerra; forneceu a prova evidente de que cada um é o objecto, por um e outro lado, de certo cuidado recíproco” (DUBY, 1994: 54) “De passagem, o discurso evoca-a, com o único fim de justificar que os oratores não trabalhem com as mãos e que os pugnatores recebam rendas. De mostrar como a ociosidade e a exploração fazem parte da ordem das coisas. Quer dizer, a expressão mais evidente do modo de produção senhorial.” (DUBY, 1994: 57) 3. Deus Tudo passa por Deus, principalmente a História passa por Deus, como é possível averiguar em Manuel dos Anjos no século XVI, autor que se propõe a escrever um livro de História Universal. A América já estava descoberta, porém é preciso se utilizar das autoridades, os sábios, a Bíblia é a principal fonte de conhecimento e apreensão da realidade. Motivo pelo qual o autor não se arrisca a fazer uma história do continente americano. Ora, o livro de História era escrito por mandato do reverendo Padre Frei Fernando de Câmara, Ministro provincial da sagrada Ordem de penitência. Certamente, se a História do homem não estivesse em sintonia com a redação do Gênesis, não seria aprovada pelo santo Ofício. Na pior das hipóteses poderia até ser considerado um herege. A história do Homem começa com a divisão feita por Noé após o dilúvio, que partilha os três continentes entre seus três filhos, Iaphet(Jafé) o filho mais novo e que Noé mais amava ficou com a Europa, Sé o mais velho ficou com toda Ásia e Cam(Cão) ficou com o continente maldito: a África. "O ponto de partida da narrativa nos eventos mítico-religiosos retratados no Gênesis, reproduzindo visão providencialista típica da literatura histórica produzida na cronística medieval." (MACEDO, 2001: 02) "A imagem de Deus numa sociedade depende sem dúvida da natureza e do lugar de quem imagina Deus." ( LE GOFF ,2007: 11). O lugar e a natureza dos que dominavam o saber teológico era bem reservado socialmente, pertencia apenas aos que conseguiam entender a Bíblia, os letrados em latim. “Entretanto, igualmente óbvias (pelos menos para nós) são as desvantagens de se tentar comunicar com toda a população da cristandade em uma língua entendida apenas por uma minoria dessa população. Alguns leigos acreditavam que o uso do latim era uma artimanha do clero para manter a fé secreta, "e em seguida vendê-la de volta para nós no varejo". Deve-se enfatizar, no entanto, que a minoria que entendia latim excluía muitos membros do clero medieval. Não é de surpreender que muitos do clero paroquial fossem ignorantes em latim, dada a falta de meios para educá-los: mas mesmo no caso dos monges, segundo um medievalista bastante conhecido, "descobrimos as autoridades admitindo vasta ignorância em latim e fazendo traduções especiais para uso dos irmãos incultos". (BURKE, 1995: 55), as traduções começam a se intensificar com o advento da imprensa no século XIV, porém as primeiras casas tipográficas só chegam em Portugal no século XVI. As primeiras traduções do latim para o português vêm desse período. Como pode ser observável no site da Biblioteca Nacional de Portugal. Vários livros do século XVI com uma página em latim e logo em seguida outra em português arcaico. "O Deus dos teólogos da Idade Média era seguramente o Deus da Bíblia. Sua parte propriamente cristã, o Novo Testamento, introduzia Jesus, o filho de Deus.” (LE GOFF, 2007: 94). Jesus, modelo de conduta a ser venerado, amado e imitado, os teólogos "Enfatizando as glórias da vida eterna” desenvolveram uma ética cristã que “incentivou a renúncia aos prazeres terrenos e inclusive a renúncia ao próprio corpo, valorizando a continência e o rigor moral como condições para a purificação da alma na preparação para o reencontro com Deus." (MACEDO, 1997: 51). O corpo é objeto de grande dignidade principalmente depois que recebe no sacramento da eucaristia o corpo de cristo. Os sentidos do corpo são portas demasiadamente apuradas, através dos ouvidos entram muitas coisas em nossa alma. Os sábios da Igreja costumavam repetir: -Fecha teus ouvidos e não escuta maledicências. É necessária uma vigilância constante para consertar os sentidos do corpo. Jacques Le Goff é um desses historiadores que atua sem uma parcialidade mal intencionada. Autor que consegue garantir uma distância crítica de defesa para manter a objetividade, sempre com erudição, bom humor e humildade para afirmar somente o que examina. Ele considera o Espírito Santo um palpite até o século XIII, ou melhor, no termo latino que ele usa “Deus ex machina” - É uma locução substantiva referente ao teatro grego, deus ex machina; Sendo alguma entidade paranormal que aparece sem nenhum nexo de causalidade que resolve um problema aparentemente sem solução de maneira mágica. A expressão grega fora latinizada, ao pé dá letra é possível entender “deus da máquina”; faz alusão a um instrumento mecânico utilizado na tragédia clássica, permite que um ser sobrenatural desça sobre o palco, oferecendo uma resolução fácil para uma questão embaraçosa. "Clericamente, havia no Feudalismo um papel de primeira ordem desempenhado pelo grupo eclesiástico. Papel que extravasa, em muito, sua atividade sacerdotal. Sendo a Igreja a única instituição organizada da época, de atuação realmente católica, que dizer universal, a ela cabia a função de cimentadora, unificadora, naquela Europa fragmentada em milhares de células. (FRANCO JUNIOR, 1983:55). Na sessão XXIV do capitulo I na página 266 da ata do Concílio Tridentino nos esclarece acerca do procedimento para convocar funcionários da hierarquia como bispos e cardeais. O que é necessário para fazer parte do alto clero? Madureza e Prudência. O processo eletivo deve garantir promoções para espíritos grandes, para os mais dignos e úteis a Igreja. Na teoria todas as pessoas idôneas têm direito de concorrer a qualquer promoção concernente as diligencias da Sé Apostólica. Os concorrentes devem ter nascidos de um matrimonio legitimo, e dotados de vida, idade, doutrina, e todas as mais qualidades exigidas pelos sagrados Cânones, e Decretos do Concilio. A profissão da Fé é autorizada pelo Santíssimo Pontífice Romano. Quem verifica a idoneidade do concorrente a Cardeal? Um consistório. Três Cardeais examinam com diligencia, dentre mais um deles senso o Cardeal Relator do Consistório, se os quatro afirmarem que o promovendo é dotado de qualidade para a profissão, sob pena da sua salvação eterna. A hierarquia da Igreja dá autorização de ordenação aos Bispos. Pode-se celebrar o sacramento da Ordem. Uma vez padre, pode-se retornar a condição de leigo. Não é necessário consentimento do povo, os que ministram alegando que a instrução vem do povo são tidos pelo Concílio Tridentino como salteadores e ladrões. Para Padre a rigorosidade é diminuta, afinal a obrigação dele é ministrar a missa corretamente no mesmo horário, o controle da casa de oração que em partes pode ser difícil, pois a conduta de todos passa por uma codificação, devem-se evitar conversações vãs, coisas impuras e lascivas, passeios, estrépitos, clamores. "Uma das originalidades do Deus dos cristãos vem do fato de que eles O representam sob a forma de imagem." (LE GOFF ,2007: 69). Diferente dos outros deuses (como o do Judaísmo e do Islame), Jesus foi a imagem e semelhança de qualquer homem do sexo masculino e Deus ao mesmo tempo, o que de certo modo facilita a sua representação, pois justamente "A encarnação é a humilhação de Deus. O corpo é a prisão (ergastulum= prisão para escravos) da alma: mais que a sua imagem habitual, é a sua definição. O horror ao corpo culmina nos seus aspectos sexuais. O pecado original, pecado de orgulho intelectual, de desafio intelectual a Deus, foi transformado pelo cristianismo medieval em pecado sexual. A abominação do corpo e do sexo atinge o cúmulo no corpo feminino" (LE GOFF ,1985: 145). Os sacerdotes seguem a risca os doutores da Igreja, pois como advertiu Jesus Cristo o que seria se um cego guiasse outros cedo, ambos cairiam. "Durante os sermões fazia-se grande uso de exempla, nos quais apareciam bastante frequentemente prostitutas, quer como personagens principais, quer como figuras de segundo plano, mas sempre com um certo destaque no fim da história." (PILOSU, 1995:79). O destaque no fim da história é sempre atribuir uma maior parcela de culpa para as mulheres. "Enfim, os "exemplos" (exempla) ilustram, sob a forma de relatos breves e concretos, fábulas ou historietas, as vantagens, para o cristão, de uma justa conduta."(SCHIMTT, 1999: 143) Para os teólogos os outros deuses bem como outras interpretações do cristianismo são folclore, superstição, falsos deuses. "Quando os cristãos se recusavam a rezar aos deuses dos diversos paganismos, geralmente, não era por lhe negarem a existência; eles consideravam-nos como demónios, perigosos, sim, mas no entanto mais fracos do que o único Criador." (BLOCH, 1979: 50) 4. Diabo A adivinhação, a magia são duas práticas por exemplo que de antemão são conferidas ao Diabo, uma das maiores provas de atuação do diabo, é permitir que pessoas simples e comuns possam controlar as forças da natureza. Eles acreditavam que invocando as forças da natureza a seu favor lhes daria a capacidade de conhecer o futuro, obviamente, uma complexa arte que envolve oração, jejuns e frases sem significação. Os encantamentos, feitiços e agouros podem ser utilizados para atrair um amor, curar uma dor de dentes, ou causar malefícios as fazendas. Esses são aspectos que estão ligados a demonizarão da cultura pagã que antecede a cristã. Na literatura oral, onde as fontes são riquíssimas em descrições, o Diabo é um personagem inevitavelmente derrotado, ele sempre perde, quer seja para os violeiros, quer seja biblicamente nas tentações a Jesus. Judas é uma figura muito marcante na paixão de Cristo, ele que desencadeia todo o processo, o pensamentos de traição é uma sugestão do maligno, entrega Jesus por algumas moedas influenciado pela força do Diabo, entrando dentro dele para a execução da tarefa. "Os homens e as mulheres da Idade Média estavam persuadidos de que se Deus deixava às vezes Satã ou simplesmente a natureza depravada dos homens semear a desordem sobre a terra, também introduzia nesse momento medidas de ordem." ( LE GOFF ,2007: 75). Recorrendo a Bíblia, Jesus Cristo é o Sumo Sacerdote. Ele é o único mediador entre Deus e os seres humanos (1 Tm 2.5) e o Espírito Santo é seu representante na terra. "Certamente, as ligações entre Deus e a sociedade feudal estão entre as mais estreitas da história." ( LE GOFF ,2007:58 ). O mais interessante é que o Diabo e a sociedade feudal também se relacionam demais. No mundo feudal tudo perpassa por Deus, seja política, seja social, seja psicológica, seja militar, o que não apetece à Deus certamente estreita-se ao Diabo. Esse imaginário é o produto das composições das formas feudais: "O regime feudal e a Igreja eram de tal forma ligados que não era possível destruir um sem pelo menos abalar o outro." (LE GOFF ,2008: 83). Cada forma de produção gera as suas próprias relações sociais e as suas próprias formas de organização. Na Idade Média o feudalismo era cúmplice da religião. Referências bibliográficas BURKE, Peter A arte da conversação; tradução de Álvaro Luiz Hattnhr - São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995 BLOCH, Marc, A sociedade feudal. Tradução de Emanuel Lourenço Godinho. Lisboa: Edições 70, 1979. BASCHET, Jérôme. A civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006. FRANCO JUNIOR, Hilário. O feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983. GIBBON, E. Declínio e queda do Império Romano. 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Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista Reycend. - Lisboa : na Off. de Francisco Luiz AmenoDeus e o Diabo no imaginário feudal.
No Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente. O autor atribuí a cada personagem que atravessa o além , insígnias materiais. O Judeu chega com um bode nas costas; tal modo de segurar o animal pode revelar uma prática medieval, segundo a Professora Doutora Angélica Varandas do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em seu artigo na revista de Estudos Antigos e medievais Brathair, intitulado "A cabra e o bode nos bestiários medievais ingleses" mostra que na Idade Média "era costume castigar os judeus de praticas heterodoxas, fazendo-os circular montados num bode ou numa cabra de costas para a cabeça do animal uma posição reservada aos criminosos"(página07). De fato na Idade Media o bode podia representar o judaísmo e o Deus dos judeus. A negação do Diabo no Auto em embarcar o bode significa que o próprio Deus judeu é entendido como um ser demoníaco pelo próprio Diabo.
No corpo a corpo com o zooantropoformismo não é de se estranhar que o Diabo fora metaforizado em diversos animais: o porco, o morcego,a mosca.
Na Idade Média a iconografia nos mostra que o bode no bestiário medieval personificava a luxuria. É como a figuração desde vicio que o bode se manifesta na iconografia, certamente o bode é um dos vários animais do bestiário, cuja ambivalência de significados fica evidente desde de Moisés em Levíticos. Já o carneiro é o símbolo divino e o bode o símbolo demoníaco, o cordeiro é o símbolo dos justos e dos cristãos fiéis que serão salvos no dia do julgamento como mostra a parábola do bom pastor. O carneiro como referência pode ate mesmo corporizar a cristo. Já o bode encarna características de uma licenciosidade fantásticas, uma libido desenfreada. O Diabo além desses atributos sexuais também partilha de semelhanças a níveis fisionômicos por possuir chifres, barba pontiaguda, cascos de animais e cauda bifurcada.
O Bode tambem é um animal contemplado pela imaginação na Europa do Norte, onde o bode é um dos animais que puxam a carruagem de Thor o Deus do relâmpago e do trovão.
O bode também é relacionado com as artes da feitiçaria, o próprio Deus Baphomet aparece com cara de bode no livro de magia de Eliphas Levi. O bode aparece no quadro de Goya, o Sabbath das bruxas - o bode é um animal emblematizado diabolicamente, é ao redor dele que as bruxas se localizam, pois simboliza o pecado da concupiscência e se associa a invocação do Diabo e às artes da feitiçaria. O Bode de bruxa era também um instrumento de tortura largamente utilizado pela Inquisição.