por: Lucyanne Mano
"Considera-se o JORNAL DO BRASIL, em condições de absoluta autoridade para pregar a estrita solução legal, depois de reiteradamente e às custas dos maiores riscos, declarar a incompatibilidade do ex-Presidente João Goulart com o regime representativo. Em nenhum momento, por mais longe que houvéssemos caracterizado na ênfase da nossa luta, pretendemos ou sequer insinuamos uma conseqüência fora da lei para remediar o imenso mal causado aos interesses do País e do povo em todo o curso do pesadelo janguista... A Nação está convicta de uma nova era". Jornal do Brasil
Com ou sem renúncia expressa, João Goulart não era mais o presidente do Brasil. Do Rio de Janeiro, deslocou-se para Brasília, e de lá para o Rio Grande do Sul, onde desistiu de organizar uma estratégia de resistência ao golpe instituído contra seu governo. Na capital federal, Auro de Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente e seguiu a prática Constitucional, empossando Ranieri Mazzili, que era o presidente da Câmara do Deputados.
O governo norte americano foi o primeiro a reconhecer a nova situação. Consolidava-se a reação conservadora, comandada pelos militares, que eliminavam definitivamente o populismo, abalado há muito tempo por suas próprias contradições internas.
O movimento militar deflagrado na véspera foi uma clara resposta às últimas medidas tomadas pelo Presidente João Goulart, entre elas: o decreto que pretendia dar início à Reforma Agrária, previa a encampação de refinarias particulares de petróleo e o tabelamento dos aluguéis, além de sua recente participação na reunião dos marinheiros e sargentos do Automóvel Clube.
Irritada, a cúpula militar entrou em ação. Nas primeiras horas do dia 31 de março, a guarnição do Exército em Juiz de Fora (MG), sobre o comando dos generais Olímpio Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, rebelou-se contra o governo federal, dando início a uma marcha em direção ao Rio de Janeiro. Jango enviou tropas para conter os militares mineiros, porém, ao invés de defender o governo, os soldados aderiram ao levante que chegou com força máxima ao Rio. A essa altura, sem conta com o apoio popular esperado, Jango reconheceria que lutar para manter o governo significaria desencadear uma guerra civil e retira-se de cena, consolidando o desfecho do golpe.
A vida e a morte longe do Brasil
Protagonista de uma gestão conturbada na Presidência da República (1961-1964), sempre em conflito com frentes militares, o gaúcho de São Borja João Goulart, seguiu para o Uruguai em 4 de março de 1964 em busca de asilo político. Dois anos depois tomou parte na Frente Ampla, movimento político que tinha como objetivo lutar pela pacificação política do Brasil com a plena restauração do regime democrático. Com o precoce fim da Frente, teve as atividades políticas suspensas. Em 1973 foi morar na Argentina onde morreu em 1976, sem ter conseguido regressar ao Brasil.
Confira aqui notícias sobre O último discurso de Jango em 13 de março de 1964
Fonte: JBLOG
2.4.14
1º de abril de 1964: Os militares tomam o poder no Brasil
Quais são os principais grupos armados palestinos?
por Roberto Navarro
Um monte de grupos guerrilheiros em todo o mundo já realizou ações armadas alegando defender "a causa dos árabes palestinos". Mas a gente considerou apenas as organizações que participam da luta armada em Israel ou na região da Palestina. Fizemos uma ficha dos cinco principais grupos no quadro abaixo. A ideologia básica deles é a mesma: todos lutam pela libertação da Palestina, área disputada por árabes e israelenses desde meados do século 20, e pelo retorno dos refugiados palestinos que vivem espalhados pelo Oriente Médio. Unidos por esse objetivo comum, os grupos se juntaram na Organização para a Libertação da Palestina (OLP), um agrupamento político que representa os 8 milhões de palestinos que existem no mundo. A OLP foi criada em 1964 para centralizar a liderança dos vários grupos que operavam como movimentos de resistência clandestinos. Nos anos 90, a organização admitiu negociar a paz com os israelenses. O problema é que rolam vários "rachas" e dissidências no interior da OLP. Grupos mais moderados, como a Frente Democrática para a Libertação da Palestina, hoje aceitam sentar na mesa para discutir uma convivência pacífica com Israel. Mas facções radicais como a Jihad Islâmica ainda apostam na controversa tática dos atentados terroristas - e sequer admitem a existência de Israel. Com a violenta repressão do Exército israelense ao terrorismo, o sangue continua jorrando no Oriente Médio.
Tocando o terrorFacções radicais ainda apostam em atentados na luta contra os israelenses
Al-fatah
Época - Final dos anos 50
Fundada pelo líder Yasser Arafat, morto em 2004, esse grupo adota como estratégia a luta de guerrilhas com pequenas ações isoladas. O objetivo é eliminar o controle do Exército israelense na Palestina
Ação famosa - Uma das facções mais extremistas do Al-Fatah, chamada Setembro Negro, matou 11 atletas israelenses em plena Olimpíada de Munique, em 1972
Frente democrática para a libertação da palestina
Época - 1969
Tido como moderado, esse grupo defende a existência de um Estado palestino convivendo com Israel. Envolvido em ações armadas nos anos 70 e 80, a FDLP hoje critica o terrorismo - pelo menos o internacional, opondo-se a atentados fora do Oriente Médio
Ação famosa - Em maio de 1974, a organização assumiu a autoria do seqüestro e morte de mais de 20 crianças israelenses na cidade de Maalot
Frente popular para a libertaçÃo da palestina
Época - 1967
Nascida da fusão de três grupos guerrilheiros, a FPLP rejeita acordos com o governo israelense e é contra as atuais negociações pela paz. A organização ficou conhecida pelos seqüestros internacionais de aviões de passageiros entre 1968 e 1974
Ação famosa - Uma dissidência barra-pesada, chamada de Comando Geral, invadiu um prédio de apartamentos em Israel, matando 18 pessoas em 1974
Jihad islâmica palestina
Época - Entre 1979 e 1981
Apontado como o grupo armado palestino mais radical, a Jihad opõe-se à existência de Israel e luta contra a presença de israelenses em território palestino. Os militantes da organização já participaram de vários atentados suicidas com carros-bomba
Ação famosa - Em março de 1996, a Jihad se responsabilizou por atentados suicidas na cidade israelense de Tel Aviv, matando 20 pessoas
Hamas
Época - 1987
Organização que faz trabalhos educacionais e beneficentes e participa de atividades políticas pacíficas, mas que também tem um braço militar que já realizou mais de 20 ataques suicidas contra civis israelenses no século 21
Ação famosa - O Hamas assumiu a responsabilidade pelo primeiro atentado suicida contra civis em Israel, quando um homem-bomba matou cinco pessoas num ponto de ônibus em 1994.
Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-sao-os-principais-grupos-armados-palestinos
Como um corpo é embalsamado?
por Diogo Antônio Rodriguez |
Atualmente, a preservação de corpos de pessoas mortas é feita retirando sangue e outros fluidos e injetando uma solução de água e formaldeído para interromper o processo de decomposição. Técnicas de embalsamamento são conhecidas há mais de 4 mil anos. Os egípcios acreditavam que usávamos nosso corpo mesmo depois da morte, por isso era preciso conservá-lo. Até hoje essa técnica é empregada, mas não para fazer múmias, e sim para transportar corpos e conservá-los durante o velório.
Corpo fechado
Versão moderna do embalsamamento surgiu no século 17, com o fisiologista inglês William Harvey, pioneiro na descrição da circulação sanguínea
1. Como a decomposição age rápido, quanto antes for iniciado o processo, melhor. A limpeza do corpo é feita com ele colocado em uma mesa cirúrgica, despido e lavado com desinfetantes e germicidas. Depois, é preciso tirar a rigidez do corpo (rigor mortis), massageando os músculos e a face
2. Uma incisão de 8 cm é feita entre o ombro e pescoço. Dessa abertura, puxa-se a artéria carótida, onde é inserido um pequeno cano. Ele está ligado a uma máquina que bombeia o sangue para fora do corpo. Pelo mesmo canal, é injetado o fluido embalsamador
3. O fluido é composto de água e formaldeído. Para conservar o corpo, são necessários 4 litros de fluido para cada 23 kg de peso do falecido. Aos poucos, a solução preenche os espaços de onde o sangue foi retirado. Isso evita que os órgãos desidratem e se decomponham
4. Outra incisão, menor, é feita próxima ao umbigo. Por ali, é inserido o trocar, um instrumento cirúrgico que tem de 5 a 12 mm de diâmetro e é semelhante a uma antena. Acoplado a um aspirador, sua função é retirar gases de fluidos corporais que se acumulam principalmente no sistema digestivo
5. Após cerca de três horas de procedimento, é hora de fechar as incisões: a artéria usada para a drenagem é suturada, assim como as demais aberturas feitas na pele. Além de ser novamente lavado, o corpo é desinfetado e vestido. O trabalho da equipe de embalsamamento está feito
6. Entra em cena o responsável por fazer intervenções cosméticas e esconder manchas na pele. Ele aplica creme hidratante e maquiagem para deixar a pessoa com a aparência mais próxima possível da que tinha em vida. Vale até uma aparada no cabelo ou na barba
No Brasil, embalsamar um corpo humano custa entre R$ 1.090 e R$ 2.150
Em conserva
Corpos de líderes famosos que ficaram expostos após a morte
LÊNIN
O líder da Revolução Russa, morto desde 1924, tem o corpo exposto até hoje na Praça Vermelha, em Moscou
Stálin, sucessor de Lênin no comando da União Soviética, também foi embalsamado e passou dois anos exposto antes de ser enterrado
LINCOLN
O ex-presidente dos EUA foi tão importante para o fim da escravidão que, mesmo depois de morto, fez uma turnê de 19 dias pelo país
Embalsamar corpos se disseminou nos EUA durante a Guerra Civil. Isso facilitava o transporte de vítimas por grandes distâncias
KIM JONG-IL
O ex-ditador da Coreia do Norte também foi embalsamado. Seu corpo está em exposição permanente no mausoléu Kumsusan, na capital, Pyongyang, desde dezembro de 2012
CONSULTORIA Marivaldo Silva, coordenador de tanatopraxia do Grupo Vila (Recife, PE)
FONTES Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços Funerários do Estado do Paraná, American Society of Embalmers, BBC History, BBC News Magazine, Britannica Online, ConMed Endosurgery, The Guardian, The Morning News e The New York Times
Ainda existem piratas hoje em dia?
por Danilo Cezar Cabral
Sim, e muitos! Somente entre janeiro e maio de 2011foram registrados mais de 200 ataques piratas no mundo. Os dados são do IMB, sigla em inglês para "Escritório Marítimo Internacional", uma divisão da Câmara Internacional do Comércio que combate todo tipo de crimes e más práticas relacionadas aos negócios. É claro que os bucaneiros atuais não correm atrás de baús de tesouro. Seus alvos variam desde pequenos navios de carga até grandes petroleiros. De longe, o tipo de ataque que traz mais lucro e sucesso é o seqüestro de passageiros com pedido de resgate. Existem quatro regiões no mundo que concentram a maior parte dessas ações. E um dos principais pontos é a costa da Somália, no leste da África. Confira como acontece um típico ataque pirata nessa área.
MAR DE NINGUÉM
Pedido de socorro atrai vítimas para águas não policiadas
1- Um típico ataque na Somália ocorre no golfo de Áden. O navio-alvo é atraído para dentro das águas territoriais do país africano por meio de um pedido de socorro - via rádio ou sinalizadores. A isca supostamente avariada costuma ser um barco de pesca.
2- Quando o navio das vítimas deixa as águas internacionais para prestar socorro, a embarcação-isca se alinha em rota de colisão com ele. Enquanto o alvo do ataque se distrai, tentando evitar a trombada, lanchas piratas surgem em alta velocidade e cercam o navio.
3- Uma das lanchas pode se alinhar ao navio-alvo para que um pirata dispare uma rajada de metralhadora, advertindo e intimidando as vítimas. Diante da ameaça armada, o navio pára. As lanchas, então, o abordam, os piratas entram e rendem as pessoas.
4- Após assumir o controle, os piratas levam o navio para perto da costa, bem longe das águas internacionais. Lá, iniciam o contato com a empresa dona da embarcação ou com o governo do país das vítimas, exigindo um resgate para liberá-los.
5- A divisão entre água territorial e internacional ajuda a ação. Mesmo que haja um navio de guerra de outro país perto do ataque, ele não pode entrar na água territorial da Somália sem autorização. O instável governo somali, por sua vez, não consegue patrulhar suas águas.
6- Em cerca de 90% dos casos, os piratas recebem o dinheiro do resgate - há relatos de pagamentos de até 1,5 milhão de dólares! Eles liberam os reféns em grupos e estes seguem até um barco das autoridades que negociaram o pagamento. A história termina com final feliz... para os piratas.
ZONAS DE RISCO
Quatro regiões concentram os principais ataques no mundo
Águas territoriais de países com governos fracos, às vezes em guerra civil, atraem os piratas. É o caso dos golfos de Áden e da Guiné. Já o Caribe e o estreito de Malaca são locais de importantes
rotas comerciais e com muitas ilhotas para se esconder. O pico da pirataria moderna foi em 2003, quando ocorreram mais de 400 ataques, com a morte de pelo menos 16 pessoas.
QUE ESPADA, QUE NADA!
Arsenal dos bandidos tem até um tipo de bazuca
MACHETES
Estes facões são muito usados pelos piratas, mas servem mais como uma ferramenta de intimidação psicológica.
AK-47
Capaz de disparar 600 tiros por minuto, o fuzil de assalto mais usado no mundo também é a arma de fogo preferida dos bucaneiros modernos.
PKM
Metralhadora leve (pesa 7,5 quilos), a PKM pode ser fixada com tripé nas velozes lanchas de ataque.
RPG 7
Muito eficiente em disparos de até 300 metros, este lança-foguetes é usado pelos piratas por ser simples de operar e ter baixo custo.
Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/ainda-existem-piratas-hoje-em-dia
Gastronomia imperial: como os banquetes de Pedro II ajudaram a dar forma à culinária brasileira
Dom Pedro II não era um gourmet, mas ajudou a construir a cozinha tradicional do Brasil
Texto Marina Ribeiro
Ao se aproximar da ponte flutuante montada junto ao Cais Pharoux, perto do que hoje é a Praça XV, os olhos já se encantavam com a suntuosidade da festa. Tendo ao fundo a paisagem da Baía de Guanabara, o acesso era ornamentado com seis grandes arcos e dois candelabros a gás. Junto a eles, tocava a primeira das seis bandas e orquestras contratadas para animar a festa em homenagem aos oficiais chilenos do navio Almirante Cochrane.
Ao desembarcar na Ilha Fiscal, os convidados eram recebidos por mulheres vestidas como ninfas e sereias. Nas casas à beira-mar, a população da cidade se apertava para espiar um pouco do baile que acontecia no posto de fiscalização de navios. Recém-construído em estilo neogótico, o castelo era o ponto mais brilhante do Rio de Janeiro naquela noite. Dotado de um gerador de energia que iluminava milhares de lâmpadas dentro e fora do edifício, velas, balões e lanternas venezianas, além dos holofotes do couraçado chileno e de outros navios da Marinha ancorados ali perto, não havia quem não se impressionasse com seu esplendor.
ROSBIFE*
“Asse-se no forno uma boa posta de alcatra, sem tempero nenhum, e quando estiver meia assada, tire-se. Aproveite-se-lhe o sangue que escorreu, e com ele prepara-se à parte o molho ajuntando-lhe manteiga, e, se quiserem, também alho e pimenta da Índia moída. Manda-se à mesa, com o sal à parte.” Do livro Cozinheiro Imperial
*As receitas mantêm a grafia da época em que foram escritas
Foi também um modo de inaugurar o palácio. No banquete foram servidos 18 pavões, 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 30 fiambres, 10 mil sanduíches, 18 mil frituras, mil peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 maioneses e 25 cabeças de porco recheadas, além dos 500 pratos repletos de doces variados. Exemplo da vida na corte, do virtuosismo da aristocracia brasileira? Que nada. O Baile da Ilha Fiscal foi uma das raras ocasiões que o império ofereceu um banquete de alta gastronomia.
Banquetes franceses no Brasil
O Baile da Ilha Fiscal não apenas marcou o fim de um regime (político, vale frisar). Foi o ápice da gastronomia imperial. O gosto por comer bem veio junto com a Corte Portuguesa, em 1808, quando desembarcaram cozinheiros e literatura específica sobre culinária em forma de livros de receitas. Desde então, os hábitos à mesa se europeizaram, os ideais alimentares e de paladar se tornaram cada vez mais semelhantes aos franceses, berço da gastronomia que conhecemos hoje. Mas não era uma prática cultivada no cotidiano do imperador. Para ele, comida sofisticada era algo reservado a ocasiões especiais.
As receitas elaboradas, que vieram com dom João VI, se ampliaram com a independência, em 1822. Para negar a dominação colonial portuguesa passou-se a buscar apoio na cultura francesa. Os estrangeiros que viviam no Rio de Janeiro forçaram a criação de um mercado que absorvesse produtos da Europa, como conservas, doces, frutos processados, salsichas, presuntos, manteiga, queijo, chá e temperos. Permitindo uma reprodução da culinária degustada nos palácios, o que pode ser comprovado nos cardápios impressos, predominantemente em francês, com alimentos típicos dessas ocasiões. “No século 19, não era mais necessário ter berço para usufruir de itens de luxo, como os banquetes”, afirma Wanessa Asfora Nadler, professora do curso de pós-graduação de Gastronomia do Senac. “A classe alta precisava marcar posição social. Por isso, além das artes e moda, eles prestavam atenção na comida.”
PUDIM DE TAPIOCA
“Ferve-se uma garrafa de leite com um páo de canella, que se tira logo que tenha o aroma, ajunta-se meia libra de tapioca que se deixa amolecer no leite, junta-se depois dois ovos, um pouco de manteiga; deita-se n’uma fôrma barrada de manteiga e cozinha-se em banho-maria por espaço de meia hora.” Do livro A Doceira Doméstica
A canja do imperador
Os viajantes estrangeiros, tratados com deferência, espantavam-se quando, à mesa, era oferecido frango cozido em caldo quente (que era tido como ótimo para espantar doenças). Isso fez com que muitos relatos de viagem ao Brasil mencionassem expressamente (e com certa monotonia) o “fenômeno galinha com arroz”.Os aventureiros podiam até ficar entediados com a repetição da canja, mas dom Pedro II a tinha como prato predileto. “A canja hoje é barata, trivial, mas no século 19 era diferente. Não era comida de povão, era sofisticada”, diz André Boccato, autor do livro Os Banquetes do Imperador. Após analisar a coleção de cardápios da família real, nota-se a preferência pela repetição do prato em banquetes servidos ao monarca.
Ainda que apreciasse uma boa sopa de galinha, dom Pedro II não gostava dos grandes banquetes. No Baile da Ilha Fiscal, ficou pouco e passou a maior parte do tempo sentado. Tampouco era chegado àsgrandes refeições da época – um jantar cotidiano podia durar cerca de três horas. Ele gostava de comer sozinho e rapidamente.
CARDÁPIO FRANCÊS | Rio de Janeiro, 1º de janeiro de 1858
Cardápio do primeiro banquete de que se tem notícia no Brasil, no Clube Fluminense, oferecido pelo senador Nabuco de Araújo. O cardápio estava escrito em francês, mas já listava como sobremesa pratos típicos como o queijo de minas e fios de ovos.
Em seu livro Antologia da Alimentação no Brasil, o folclorista Luís da Câmara Cascudo afirma que depois de um dos apressados almoços de canja, o monarca surpreendeu um dos cadetes, que escoltava seu carro ao sair do Palácio de São Cristovão, roubando algumas bananas. Ao perguntar por que fazia aquilo, o soldado respondeu com franqueza: “Para matar a fome, por sair faminto da rápida refeição”. Dom Pedro II riu e determinou que sua escolta tivesse refeições separadas, calmas e abundantes – não como as dele.
PREPARO NACIONAL | Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1889
A princesa Isabel comemorou as bodas de prata do casamento com o Conde d’Eu com um banquete para 800 convidados no Cassino Fluminense. Na ocasião, foram servidos bolo de mandioca, peru e canja à moda brasileira, mostrando a assimilação de ingredientes e preparos nacionais.
Com tal temperamento, não é de espantar que dom Pedro II tenha financiado apenas dois banquetes em todo o seu reinado de 58 anos. Um em 1852, sobre o qual não há muitos registros, e em 1889, justamente o da Ilha Fiscal. Tradicionalmente, é a família real que dá o tom da vida social da corte. Se dependesse dela, o brilho dos salões cariocas teria sido pálido. “Eles nunca foram grandes incentivadores de banquetes. No Brasil, a alta burguesia é que estimulava esse lado social”, afirma Boccato. Segundo seu livro, alguns comentaristas até dizem que foi exatamente pela falta de festas que a monarquia não se manteve no poder.
Uma nação, uma culinária
Se não conseguiu manter o trono na mão da dinastia Bragança, Dom Pedro II foi bem-sucedido em criar uma identidade nacional. O historiador alemão Tim Wätzold afirma que a culinária foi um dos meios utilizados para atingir a ideia de nação. E o ponto de partida para o nascimento de uma cozinha brasileira foi o livro de receitas Cozinheiro Imperial, o primeiro do gênero impresso no país, em 1840. “Nenhum livro de culinária portuguesa tinha o nome de nação ou a caracterização nacional”, afirma Wätzold.
BRASILEIRAS
“A 1 ¼ libra de assucar em ponto de bala molle, ajuntem uma libra de coco ralado, e depois cinco gemas e uma clara de ovo; mexe-se tudo bem, e vai para o fogo, afim de apertar um pouco: retire-se então, esfrie-se, e depois fação bolinhas e mettão-as no forno para tostar somente as pontinhas.”
Do livro Doceira Brasileira
Mesmo sem se importar tanto com o que comia ou em organizar banquetes para a nobreza, a gastronomia teria sido utilizada por dom Pedro II, de acordo com Wätzold, para gerar um sentido de unidade no país. Os livros de receitas estimulariam a nobreza e os ricos a acrescentarem cada vez mais ingredientes e pratos nacionais em suas festas. Pode não ter funcionado completamente no século 19, levando-se em conta a quantidade de cardápios em francês publicados no livro de André Boccato. Mas hoje a culinária brasileira é respeitada em todo o mundo.
A FAMÍLIA REAL E A COMIDA
A família real brasileira teve uma relação diferente com a culinária. Dom João VI chegava a esconder algumas asinhas de frango nos bolsos. Dom Pedro II não gostava de festas e nem da demora em comer, mas adorava um prato fundo de canja de galinha – uma iguaria na época. Por fim, a napolitana imperatriz Teresa Cristina não negava um prato de massa e preparava ela mesma o espaguete para a família. Ato comum para mães de classe média, mas impensável para alguém de tamanha classe, com tantos empregados.
SAIBA MAIS
Livro
Os Banquetes do Imperador, André Boccato e Francisco Lellis, Editora Senac, 2013
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/gastronomia-imperial-como-banquetes-pedro-ii-ajudaram-dar-forma-culinaria-brasileira-774281.shtml
1889: Conclusão da Torre Eiffel
Em 31 de março de 1889 era concluída a torre de 300 metros de altura projetada pelo francês Gustave Eiffel. A obra, construída para a Exposição Mundial em Paris, levou pouco mais de dois anos para ser concluída.
Símbolo inconfundível da França
Para que fosse atingida a altura recorde de 312 metros e 27 centímetros, foi incluído também o tamanho da bandeira francesa, hasteada no topo da Torre Eiffel, inaugurada em 31 de março de 1889. Afinal, tudo tinha que ser extraordinário para marcar a Exposição Mundial, justamente cem anos depois da Revolução Francesa.
Números e mais números foram citados, recorde em cima de recorde, para representar uma nova era de tecnologia e desenvolvimento. A Torre Eiffel pesa mais de 10 mil toneladas, sua escada tem 1.665 degraus, mais de 18 mil barras de metal, 2,5 milhões de rebites. Hoje símbolo indiscutível de Paris, a obra foi bastante criticada na época.
No dia 14 de fevereiro de 1887, o jornal francês Le Temps publicou uma carta de protesto de artistas da França, que chamavam a torre de "monstro": "Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos e amantes da até agora intacta Paris, protestamos contra a força criativa mercantil de um engenheiro mecânico que quer tornar esta cidade irrevogavelmente feia. Imaginem esta ridícula torre, que mais parece uma chaminé de fábrica. Ela vai humilhar todos os nossos monumentos. Durante 20 anos, seremos obrigados a ver a sombra desta coluna de ferro como uma mancha de tinta sobre toda a cidade".
A torre em cartão postal de 1910
Artistas indignados, povo admirado
As críticas foram muitas e a criatividade dos xingamentos não tinha limites. Paul Verlaine a comparou com um esqueleto urbano; Guy de Maupassant, com uma "pirâmide alta e estreita de escadas de metal". O povo ignorou as advertências dos artistas. Duas milhões de pessoas visitaram a Torre Eiffel em 1889, durante a Exposição Mundial.
Seu criador foi Gustave Alexandre Eiffel. Nascido em Dijon, no ano de 1832, era conhecido acima de tudo pelas suas pontes ferroviárias e observatórios astronômicos de Bordeaux e Nice, na Hungria e também em Portugal. Aos críticos, Eiffel respondia na linguagem técnica de alguém que acreditava na beleza e elegância de fórmulas matemáticas: "As curvas do monumento darão ao todo a impressão de força e beleza. O colossal exerce uma certa magia, um charme próprio, que não corresponde a nenhuma teoria clássica das artes".
Outro recorde foi o tempo de construção da Torre Eiffel: dois anos, dois meses e cinco dias. Como agradecimento, Gustave Eiffel recebeu da França a mais alta condecoração. No dia da conclusão da obra, e no degrau mais alto da torre, ele recebeu a Medalha da Legião de Honra.
Mais tarde, a grande bandeira tricolor francesa foi substituída por uma antena de radiodifusão. O que, aliás, representou mais um recorde para a Grande Dama de Paris: ela ficou com a altura de 318 metros e 70 centímetros.
Fonte: DW.DE
1982: Início da Guerra das Malvinas
Em 2 de abril de 1982, a Argentina atacou as Ilhas Malvinas, ocupadas pelos britânicos desde 1833. Porém, Margaret Thatcher ordenou a retomada e os argentinos foram expulsos.
Blindado argentino em Port Stanley, capital das ilhas
Um dos últimos resquícios dos tempos imperiais britânicos são as Ilhas Malvinas (Falkland), Geórgia e Sandwich do Sul, um arquipélago perdido no Atlântico Sul, com algumas centenas de criadores de ovelhas, a cerca de 13 mil quilômetros de distância de Londres.
Havia indícios de existência de petróleo nas Malvinas – as ilhas serviam de base para a exploração de recursos marinhos e de porto intermediário para navegações que seguiam para a Antártida.
No dia 2 de abril de 1982, soldados argentinos dominaram a pequena guarnição britânica nas Malvinas. Era a tentativa do regime militar de desviar a atenção da população da grave crise econômica e unir a nação por meio de um ato patriótico. Inicialmente, os generais pareciam ter atingido os objetivos militar e político – os sindicatos chegaram a suspender uma greve geral contra a Junta Militar.
Argentina subestimou a determinação de Thatcher
Em Londres, governava Margaret Thatcher, mais tarde conhecida como "dama de ferro" do Partido Conservador. Um dia após a invasão da Argentina, ela não deixou dúvidas na Câmara Baixa do Parlamento britânico de que estava disposta a reconquistar as ilhas. A Argentina subestimou a determinação de Thatcher, que contava com amplo apoio da população e até dos partidos da oposição.
O então líder do Partido Trabalhista inglês, Michael Foot – tradicionalmente um pacifista –, defendeu a intervenção armada para retomar o arquipélago com o seguinte argumento: "As garantias dadas pelo exército invasor valem tanto quanto as garantias oferecidas pela mesma Junta Militar aos seus próprios concidadãos. Não se deve esquecer que milhares de argentinos que lutaram por seus direitos políticos foram presos e torturados".
Raramente o Reino Unido foi tão unido como naqueles dias de abril de 1982. As ações militares britânicas começaram em clima de festa, três dias após a invasão, com a mobilização da Marinha e da Aviação. A superioridade militar inglesa foi imbatível em todos os terrenos da guerra naval, aérea e terrestre.
Os generais argentinos também se enganaram quanto às reações internacionais. Por exemplo, a neutralidade passiva de vizinhos latino-americanos, como o Chile e o Brasil. O golpe mais duro para o governo em Buenos Aires foi, porém, o apoio diplomático e militar dos Estados Unidos ao Reino Unido. O serviço de inteligência militar norte-americano manteve as tropas britânicas informadas das ações militares argentinas.
Fim da guerra iniciou desmantelamento do regime militar
Diplomaticamente isolada e militarmente em desvantagem, a Argentina capitulou, depois de dois meses e meio de conflito, no dia 14 de junho de 1982. O fim da guerra representou não só uma derrota nos campos de batalha como também o início do desmantelamento do regime militar argentino. Margaret Thatcher, que antes da guerra era uma das mais rejeitadas líderes de governo da história britânica, foi festejada como heroína.
Na Argentina, o general Leopoldo Galtieri renunciou, em julho, sob uma onda de manifestações populares contra a ditadura. Seu sucessor, o general Reynaldo Bignone, iniciou as negociações para devolver o poder aos civis. O candidato da União Cívica Radical (UCR), Raul Alfonsín, venceu as eleições presidenciais de dezembro de 1983.
Três anos depois, os chefes militares das Malvinas foram condenados a penas de 8 a 12 anos.
Autor: Peter Philipp (gh)
Fonte: http://www.dw.de/1982-in%C3%ADcio-da-guerra-das-malvinas/a-488473
Direito versus democracia
Fim da ditadura não acabou com senso comum elitista e desigual. As práticas jurídicas autoritárias são exemplo disto
Marcelo Torelly
Desenho de Carlos LatuffNove dias após depor um presidente democraticamente eleito pelos brasileiros, o governo militar anunciou, em seu primeiro Ato Institucional, que “a revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte”. Em nome “do interesse e da vontade da Nação”, a ditadura colocava o Direito contra a democracia, instituindo uma nova legalidade fundada no senso comum autoritário de que o povo não é capaz de governar. Esta relação entre senso comum e legalidade é fundamental para compreendermos as raízes e as consequências do autoritarismo e suas possibilidades de superação.
“Somos iguais perante a lei e temos os mesmos direitos”. O Estado Constitucional de Direito possui duas características: traduz a vontade da maioria, mas também limita seu poder, garantindo a todos um conjunto de direitos fundamentais. Como produto do processo democrático e do exercício da política, o direito tem legitimidade. A legalidade democrática não é uma “imposição”, mas sim uma construção na qual cada um é coautor da lei que está obrigado a obedecer. Ela dialoga com um senso comum democrático no qual o cidadão se percebe como um entre iguais.
“Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A legalidade da ditadura foi imposta por uma minoria, por meio da força. Seu fundamento não são os acordos democráticos transformados em leis, mas sim a capacidade repressiva. Essa legalidade relaciona-se com um senso comum autoritário, articulado por setores sociais que se entendem diferenciados: “elites” que se consideram superiores. Não se veem como parte, mas à parte do povo, do “cidadão comum”.
A Doutrina Básica de 1979 da Escola Superior de Guerra é exemplo do senso comum autoritário: “A História brasileira dá (...) relevo ao papel das elites na formulação dos Objetivos Nacionais. (...) É claro que na atualidade as comunicações se vêm aperfeiçoando e a participação política do povo na vida nacional pode ser maior. Mesmo assim, não se restringe a responsabilidade, que cabe às elites, de auscultar e interpretar com fidelidade os interesses e as aspirações dos grupos sociais e de todo o povo brasileiro”. Apresentando-se como representante das “elites”, o governo militar eliminou a democracia e estabeleceu uma legalidade ilegítima, ancorada neste senso comum autoritário.
A legalidade democrática não é uma “imposição”, mas sim uma construção na qual cada um é coautor da lei que está obrigado a obedecer
Mas como essa legalidade se tornou eficiente?
“Ame-o ou deixe-o”. Numa ditadura, o emprego da força é maior na medida em que o consenso é menor. O Chile e a Argentina viveram golpes militares similares ao do Brasil, em 1973 e 1976, também “justificados” pela defesa da pátria contra a “ameaça comunista”. Nossos vizinhos são exemplos do uso indiscriminado da força para a manutenção da legalidade autoritária. Na Argentina a ditadura deixou 30 mil mortos e desaparecidos, no Chile, 10 mil. Comparados aos números oficiais brasileiros, que dão conta de 475 vítimas fatais, pode-se pensar que vivemos aqui uma ditadura mais amena, uma “ditabranda”. Este argumento é falso.
Parada militar de 1971, em foto de Orlando BritoNo Chile e especialmente na Argentina, a legalidade do regime autoritário sofreu maior resistência social. No Brasil houve mais cooperação entre as instituições e o regime, especialmente no sistema de Justiça. Enquanto nos países vizinhos os governos militares foram contestados pelo Poder Judiciário, obrigando as ditaduras a aposentar e a expulsar um grande número de membros da magistratura e do Ministério Público, e a criar inúmeros expedientes e tribunais de exceção, no Brasil a Justiça mostrou-se muito mais disposta a aplicar a legalidade do regime. Mas a escolha de diferentes meios repressivos não significa que nossa ditadura não foi violenta. Números oficiais da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça apontam que mais de 40 mil brasileiros foram vítimas de atos de exceção e que a tortura foi praticada de maneira indiscriminada.
A concessão de poderes quase ilimitados às forças de segurança, combinada com uma cultura de impunidade derivada do senso comum autoritário, promoveu uma maior institucionalização da violência. Uma das consequências é que práticas “clandestinas”, como o sequestro de opositores, foram bem menos frequentes no Brasil. Elas não eram necessárias, pois o sistema de Justiça estava disponível, e isso teve impacto no número de mortos e desaparecidos. De outro lado, o fim do regime não resultou no fim das práticas repressivas que ele institucionalizou. As atuais violações de direitos por forças de segurança, a criminalização de conflitos sociais e a histórica impunidade dos indivíduos “diferenciados” são heranças da legalidade assimétrica reforçada no período da ditadura. A naturalização dessas discrepâncias com a igualdade formal perante a lei explicita as relações entre o senso comum e a prática jurídica autoritária.
A maior adesão das instituições da Justiça à legalidade da ditadura pode ser explicada por duas perspectivas complementares que apontam para características sociais ainda existentes: uma ligada à formação de nossas elites burocráticas, outra ligada à sua ideologia.
“Aplico a lei por ser lei, não por ser justa”. A formação do jurista brasileiro historicamente privilegiou o formalismo. Os cursos de Direito dedicam pouco tempo para a reflexão crítica. Formam profissionais “técnicos”, que leem a lei ignorando seu contexto social e aplicam a legalidade autoritária afirmando ser ela “neutra”.
“Os fins justificam os meios”. Para além do tecnicismo de uns, a ideologia de outros também foi determinante. Predomina entre muitos juristas um senso comum autoritário, bem expresso pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, quando definiu a ditadura como “um mal necessário”.
Mais que mudar leis, para eliminar a legalidade autoritária é preciso produzir um senso comum democrático. O Direito só será democratizado se reformas legais forem acompanhadas por transformações culturais e de mentalidade. A chamada “justiça de transição” articula mecanismos para esse fim. O Estado deve garantir o direito à verdade, reparar as vítimas e apurar as violações, reconhecendo como ilegais, na democracia, os atos validados pela legalidade autoritária. Estas medidas não buscam apenas a compensação individual das vítimas, mas também a reconstrução dos conceitos de justiça e igualdade perante a lei em toda a sociedade. Daí a importância de políticas de memória que exponham e questionem o legado autoritário. A consolidação de uma legalidade democrática depende do fortalecimento da democracia em si mesma.
Práticas “clandestinas”, como o sequestro de opositores, não eram necessárias, pois o sistema de Justiça estava disponível, e isso teve impacto no número de mortos e desaparecidos no Brasil
A impunidade dos crimes dos agentes da repressão é uma ilustração da persistência de uma legalidade autoritária e assimétrica: enquanto os perseguidos políticos foram identificados, processados, punidos e então anistiados, os agentes da repressão seguem intocados. Não são iguais perante a lei. A Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou ilegal a anistia aos crimes contra os direitos humanos, mas o senso comum autoritário que ainda predomina na Justiça brasileira impede seu processamento doméstico.
Reformas institucionais também ajudam a desarticular a legalidade autoritária. Numa democracia, as Forças Armadas existem para defender os civis, e não para governá-los. Em 1999, o governo transformou este senso comum democrático em legalidade, criando o Ministério da Defesa e reforçando a cultura de comando civil sob as forças de segurança. No plano simbólico, falta uma retratação pública das Forças Armadas pelo golpe e pelas violações aos direitos humanos, colocando um ponto final institucional nos discursos de legitimação da “revolução de 1964”.
Uma legalidade democrática depende, por fim, da democratização da Justiça. Ela deve ser capaz de atender a toda a sociedade, e não apenas às elites. Entre os três Poderes, o Judiciário é aquele menos permeável ao controle social. É necessário superar a ideia de que a técnica proporciona neutralidade, e implementar mecanismos efetivos de controle e legitimação social da Justiça.
O discurso que define o Poder Judiciário como espaço burocrático de exercício apolítico de uma técnica foi um dos principais veículos de propagação da legalidade autoritária. Era um discurso compatível com seu papel durante a ditadura, mas não com suas responsabilidades em um Estado de Direito, no qual ficam mais evidentes suas prerrogativas políticas, entre elas interpretar a Constituição.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/direito-versus-democracia
Igrejas e ditadura no Brasil
A relação entre as igrejas e a ditadura militar no Brasil pode se tornar mais clara depois da chegada ao país de uma série de documentos do Projeto Brasil: Nunca Mais.
Um dos eventos que impulsionaram o golpe militar de abril de 1964 foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, composta em sua maioria por senhorascatólicas, que percorreu as ruas de São Paulo dias antes do golpe, em 19 de março de 1964, e ofereceu um argumento a favor dos militares e dos grupos políticos e econômicos conservadores para adeposição do governo de João Goulart. Segundo os organizadores da marcha, Jango, como era conhecido o presidente, seria o representante dos interesses do comunismo a ser implantado no Brasil, principalmente depois das Revoluções Chinesa (1949) e Cubana (1959).
Algumas igrejas durante a ditadura militar contribuíram com a delação de militantes
Os cartazes pediam respeito à democracia e às instituições, tais como: “Deputados patriotas, o povo está com vocês"; “Basta de palhaçada, queremos Governo honesto"; "A melhor reforma é o respeito à lei"; "Senhora Aparecida iluminai os reacionários". Dessa forma, eles criavam uma situação contraditória, já que os manifestantes da Marcha pela Família apontavam com seus slogans para a quebra do regime democrático, pois pediam impeachment de Goulart e se colocavam contra as medidas do presidente, inicialmente eleito vice-presidente, mas que assumiu o posto maior do Estado após a renúncia de Jânio Quadros em 1961.
A argumentação religiosa de defesa da família e dos valores cristãos exposta na Marcha, contra o suposto comunismo do presidente, foi uma resposta ágil e direta ao comício feito por João Goulart e os seus partidários, realizado na estação Central do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, em 13 de Março de 1964. Neste comício Goulart apresentou seu plano econômico chamado de Reformas de Base, em que indicava a necessidade da reforma agrária e a intenção de estatizar as empresas de petróleo particulares, dentre outras medidas de cunho popular.
Mas a ação da Igreja católica e de seus fiéis não se resumiu a estas manifestações de ruas, pois durante a vigência do regime ditatorial ocorreu a mesma situação que atingiu outros espaços institucionais, com uma forte polarização política interna. O resultado foi uma ação de denúncias de participantes das igrejas ao governo militar, cujos resultados em muitos casos foi a prisão e tortura.
A situação não era exclusiva da Igreja católica, ocorrendo também em algumas Igrejas evangélicas, como mostram as primeiras investigações realizadas pela Comissão da Verdade, instaurada pelo Governo Federal no final da década de 2000. Segundo Paulo Sérgio Pinheiro, a Comissão da Verdade irá investigar tanto os casos de delações de militantes políticos ao regime quanto os casos de resistência em todas as igrejas que constam nos documentos.
Um dos casos de delação investigados pela Comissão da Verdade e que vieram a público é o de Anivaldo Pereira Padilha, membro da Igreja Metodista em São Paulo. Segundo reportagem da ISTOÉ Independente, Anivaldo era estudante de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP) e foi denunciado às forças policiais pelos irmãos José Sucasas Jr. e Isaías Fernandes Sucasas, pastor e bispo metodista da igreja que frequentava, devido aos seus posicionamentos políticos.
Os jovens batistas, metodistas e presbiterianos, principalmente, que professavam ideais liberais eram perseguidos internamente nas igrejas por líderes conservadores que ligavam o conflito da Guerra Fria às questões religiosas. Este motivo levou o pastor batista Enéas Tognini a convocar um dia de jejum e oração dos evangélicos para evitar que o Brasil se tornasse um país comunista. Ele se alinhou aos militares, não se arrependendo posteriormente: “Eles salvaram o Brasil do comunismo”.
Este e outros casos tornaram-se de conhecimento público devido, principalmente, aos documentos coletados pelo Projeto Brasil: Nunca Mais, encaminhados para a Suíça, para evitar sua destruição no Brasil. Eles ficaram arquivados no Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, mostrando que não eram apenas a favor dos militares as posições existentes dentro das igrejas. Entretanto, desde 14 de junho de 2011, encontram-se novamente no Brasil para esclarecer fatos obscuros do período.
Por Tales Pinto
Fonte: http://www.brasilescola.com/historiab/igrejas-ditadura-no-brasil.htm