27.2.11

Michel Foucault

Michel Foucault (Pronúncia francesa:AFI: [miʃɛl fuko]); Poitiers, 15 de outubro de 1926Paris, 25 de junho de 1984) foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação.

Pedra de calçada comemorativa em Bona

Em 1954, Foucault publicou seu primeiro livro, a "Doença mental e personalidade", um trabalho encomendado por Althusser. Rapidamente se tornou evidente que ele não estava interessado em uma carreira de professor, de modo que empreendeu um longo exílio da França. Porém, no mesmo ano, ele aceitou uma posição na Universidade de Uppsala, na Suécia como professor e conselheiro cultural, uma posição que foi arranjada para ele por George Dumézil, que mais tarde se tornou um amigo e mentor. Em 1958, ele saiu da Suécia para Varsóvia.

Foucault voltou à França, em 1960, para concluir a sua tese e uma posição em filosofia na Universidade de Clermont-Ferrand, a convite de Jules Vuillemin, diretor do departamento de filosofia. Foi colega de Michel Serres. Em 1961, doutorou-se com a tradução e uma introdução com notas sobre "Antropologia do ponto de vista pragmático", de Kant orientado por Jean Hyppolite. Sua tese intitulada "História da loucura na idade clássica", foi orientada por Georges Canguilhem. Filho de um médico, ele estava interessado na epistemologia da Medicina e publica nesta área, "Nascimento da clínica: uma arqueologia do saber médico", "Raymond Roussel", além de uma reedição de seu livro de 1954 (no âmbito de um novo título, "Doença e psicologia mental".

Na sequência da atribuição de Defert para a Tunísia, para o período de serviço militar, Foucault se mudou para lá também e tomou uma posição naUniversidade de Túnis, em 1965. Em janeiro, ele foi nomeado para a Comissão para a reforma das universidades estabelecido pelo Ministro da Educação da época, Christian Fouchet, no entanto, um inquérito sobre a sua privacidade é apontado por alguns estudiosos como a causa de sua não-nomeação.

Em 1966 ele publicou As Palavras e as Coisas, que tem um enorme sucesso imediato. Ao mesmo tempo, a popularidade do estruturalismo está em seu auge, e Foucault rapidamente é agrupado com estudiosos e filósofos como Jacques Derrida, Claude Lévi-Strauss e Roland Barthes, então visto como a nova onda de pensadores contrários ao existencialismo desempenhado por Jean-Paul Sartre. Inúmeras discussões e entrevistas envolvendo Foucault são então colocadas em oposição ao humanismo e ao existencialismo, pelo estudo dos sistemas e estruturas. Foucault, logo se cansou do o rótulo de "estruturalista". O ano de 1966 é uma emoção sem igual na área de humanas: Lacan, Lévi-Strauss, Benveniste, Genette, Greimas, Dubrovsky, Todorov e Barthes publicam algumas das suas obras mais importantes.

Foucault ainda está em Túnis, durante os acontecimentos de maio de 1968, onde ele estava profundamente envolvido com a revolta estudantil na Tunísia, no mesmo ano. No outono de 1968, ele retornou à França e publicou "A arqueologia do saber", como uma resposta a seus críticos, em 1969.


Foucault é amplamente conhecido pelas suas críticas às instituições sociais, especialmente à psiquiatria, à medicina, às prisões, e por suas ideias e da evolução da história da sexualidade, as suas teorias gerais relativas à energia e à complexa relação entre poder e conhecimento, bem como para estudar a expressão do discurso em relação à história do pensamento ocidental, e tem sido amplamente discutido, a imagem da "morte do homem" anunciada em "As Palavras e Coisas", ou a ideia de subjetivação, reativada no interesse próprio de uma forma ainda problemática para a filosofia clássica do sujeito. Parece então que mais do que em análises da "identidade", por definição, estáticas e objetivadas, Foucault centra-se na "vida" e nos diferentes processos de subjetivação.


Filiação Filosófica

Se seu trabalho é muitas vezes descrito como pós-moderno ou pós-estruturalista, por comentadores e críticos contemporâneos, ele foi mais frequentemente associado com o movimento estruturalista, especialmente nos primeiros anos após a publicação de "As Palavras e as Coisas". Inicialmente aceitou a filiação, posteriormente, ele marcou a sua distância à abordagem estruturalista, explicando que ao contrário desta última, não tinha adaptado uma abordagem formalista. Ele aceitou não ver o rótulo de pós-modernista aplicado ao seu trabalho, dizendo que preferia discutir como a definição de "modernidade" em si. Sua filiação intelectual pode estar relacionada ao modo como ele próprio definiu as funções do intelectual não garante certos valores, mas em questão de ver e dizer, seguindo um modelo de resposta intuitiva para o "intolerável .

As teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo qual é considerado por certos autores, contrariando a própria opinião de si mesmo, um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da Loucura, O Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber) seguem uma linha pós-estruturalista, o que não impede que seja considerado geralmente como um estruturalista devido a obras posteriores como Vigiar e Punir e A História da Sexualidade. Além desses livros, são publicadas hoje em dia transcrições de seus cursos realizados no Collège de France e inúmeras entrevistas, que auxiliam na introdução ao pensamento deste autor.

Michel Foucault é mais conhecido por ter destacado as formas de certas práticas das intituições em relação aos indivíduos. Ele destacou a grande semelhança nos modos de tratamento dado ou infligidos aos grandes grupos de indivíduos que constituem os limites do grupo social: os loucos, prisioneiros, alguns grupos de estrangeiros, soldados e crianças. Ele acredita que, em última análise, eles têm em comum a ser vistos com desconfiança e excluídos por uma regra em confinamento em instalações seguras, especializada, construída e organizada em modelos semelhantes (asilos, presídios, quartéis, escolas), inspirado no modelo monástico o que ele chamou de "instituição disciplinar".


História da Loucura

Michel Foucault procurou, na grande maioria das suas obras, abordar problemas concretos como a insanidade (a prisão, a clínica ...); em um contexto muito específico geográfica e historicamente (a França, na Europa ou no Ocidente); (idade do clássica, do século XVIII, ou na Grécia antiga, etc.). No entanto, as suas observações ajudam a identificar os conceitos superiores a esses limites no tempo e no espaço. Elas conservam, assim, uma grande abrangência, tantos intelectuais - em uma variedade de áreas. Estuda a transferência, por exemplo, das técnicas de punição penal no final do século XVIII, sugerindo o surgimento de uma nova forma de subjectividade constituída pelo governo

Biopoder. Essa perspectiva histórica não tem mal. A Ontologia de Foucault é uma experiência, a prudência, um exercício sobre as paragens do nosso presente, o teste de nossos limites, o paciente como "a nossa impaciência pela liberdade", o que explica o seu interesse é o tema da relação entre o poder institucional e individual -, bem como alguma ideia de subjectivação. Esta Constituição estabelece o poder do conhecimento e é por sua vez fundada por eles: o conceito de "poder do conhecimento".

"Não há relação de poder sem constituição correlativa de um campo de conhecimento, ou que não pressupõe e constitui, ao mesmo tempo relações de poder ... Estes relatórios de "poder-saber" não estão a ser analisados a partir de um conhecimento sobre o que seria livre ou não do sistema de poder, mas em vez disso, devemos considerar que o sujeito sabe, os objectos são como os efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber ... "

Em defesa da sociedade

Nesta ontologia simultaneamente genealógicos e arqueológicos de revisão, o trabalho sobre problemas muito específicos são inseparáveis dos da "formações discursivas" (As palavras e as Coisas, A Arqueologia do Conhecimento e A Ordem dos discursos), como o significado de racismo, além de seus significados particularizados, é inseparável do advento das ciências humanas - que nos diz: "Temos de defender a sociedade" (1975-1976) [13 ].

O lema da Ordem do discurso - "Desafiando o nosso compromisso com a verdade, restituir ao discurso seu caráter de evento; finalmente eliminar a soberania do significante" - aplica-se também como uma advertência contra os perigos da psicologização bi problematização -- face do próprio relatório e do presente. Problematização não é a continuação da espécie ou origem, mas "bolsas de unificação, nós de totalização, processos, arquiteturas, sempre relativa, nas palavras de Gilles Deleuze em que Foucault foi, intelectualmente como embora, pessoalmente, fechar.

No segundo semestre de 1970, ele estava tão interessado no que parecia uma nova forma de exercício do poder (de vida), ele chamou de "biopoder" (um conceito tirado e desenvolvido por François Ewald Giorgio Agamben, Judith Revel e Antonio Negri, entre outros), indicando quando, não em torno da vida do século XVIII - apenas biológico, mas entendida como toda a vida: a de indivíduos e povos como a sexualidade, como afeta, alimentos como a saúde, a recreação como produtividade econômica - como entre os mecanismos de poder e se torna uma questão-chave para a política:

"O homem há milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo, e mais capaz de existência política, o homem moderno é um animal cuja política coloca sua vida para estar vivo está em questão.

No início de 1980, em suas palestras no Colègge de France, do Governo da vida, Foucault inicia uma nova linha de investigação: os atos que o sujeito pode e deve operar livremente em si para chegar à verdade. Este novo eixo, o conhecimento do domínio irredutível de domínio e de poder, é chamado de "regime de verdade" e pode isolar a parte livre e decisão deliberada do sujeito na sua própria actividade. Os exercícios cristão ascético fornecem o primeiro campo de exploração desses sistemas na sua diferença com os exercícios ascéticos greco-romanos. Seu pensamento visa ligar em conjunto, sem confundí-las, estas três áreas: conhecimento, poder e discurso.

Sua obra, a partir da perspectiva do todo, aparece como uma vasta história dos limites estabelecidos no âmbito da empresa, que define o limite no qual um é louco, doente, criminal, desviante. As divisões internas da empresa têm uma história, fez a formação lenta e constantemente questionada, esses limites. Em ambos os lados dessas áreas de exclusão e inclusão irá fornecer "formas de subjetividade" diferente, e assim o assunto é uma concreção histórico e político, e não uma droga típica livre, como pretende a tradição e senso comum: não percebo a mim mesmo como os critérios que se formou pela história. O poder não é uma autoridade exercida sobre questões de direito, mas acima de tudo um poder imanente na sociedade, que se reflecte na produção de normas e valores.

O problema político é, portanto, aquele que investe sobre o corpo aparelhos de micropoder e, silenciosamente, inventam formas de dominação, mas que pode também oferecer a oportunidade para novas possibilidades de vida. "Não há relação de poder entre sujeitos livres", ele gostava de dizer. Assim, Foucault o utilitário em sua relação recíproca de docilidade, abre um vasto campo de considerações para além do utilitarismo, do lado da indústria, trabalho, produtividade, criatividade, autonomia, auto-governo.

"O problema de uma vez políticos, éticos, sociais e filosóficas que enfrentamos hoje não é para tentar libertar o indivíduo do Estado e suas instituições, mas libertar-nos, nós, Estado e do tipo de individualização que se refere. Temos que promover novas formas de subjetividade. " - O Sujeito eo Poder

Recebido no desejo de conhecer a hipótese repressiva para explicar as mudanças de atitudes e comportamento no campo da sexualidade, o ceticismo sobre a verdadeira extensão da liberação sexual, mas ainda atraídos pelos Estados Unidos (estada em Berkeley) e descobrindo novas formas relacionais que ele tem em suas últimas entrevistas, em relação à sua história de homossexualidade discutidos sexualidade (mas raramente a sua própria) e, mais genericamente, emocional e estabelecer tal seu nome, uma distinção entre o amor e a paixão que ele não teve tempo de explicar mais detalhadamente [15]. O problema do desejo e objecto de controle são o cerne da questão da subjetividade [16] desenvolvido pela então que alguns se permitem chamar o "segundo" Foucault, o de "cuidado de si (1984) emancipado o sistema disciplinar.

Foucault (1979) renega os modos tradicionais de analisar o poder e procura realizar suas análises não de forma dedutiva e sim indutiva, por isso passou a ter como objeto de análise não categorias superiores e abstratas de análise tal como questões do que é o poder, o que o origina e tantos outros elementos teóricos, voltando-se para elementos mais periféricos do sistema total, isto, é, passou-se a interessar-se pelos locais onde a lei é efetivada realmente. Hospitais psiquiátricos, forças policiais, etc, sãos os locais preferidos do pensador para a compreensão das forças reais em ação e as quais devemos realmente nos preocupar, compreender e buscar renovar constantemente.

Segundo este pensamento, devemos compreender que a lei é uma verdade "construída" de acordo com as necessidades do poder, em suma, do sistema econômico vigente, sistema, atualmente, preocupado principalmente com a produção de mais-valia econômica e mais-valia cultural, tal como explicado por Guattari (1993). O poder em qualquer sociedade precisa de um delimitação formal, precisa ser justificado de forma abstrata o suficiente para que seja introjetada psicologicamente, a nível macro social, como uma verdade a priori, universal. Desta necessidade, desenvolvem-se a regras do direito, surgindo, portanto, os elementos necessários para a produção, transmissão e oficialização de "verdades". "O poder precisa da produção de discursos de verdade (p.180), como diria Foucault (1979). O poder não é fechado, ele estabelece relações múltiplas de poder, caracterizando e constituindo o corpo social e, para que não desmorone, necessita de uma produção, acumulação, uma circulação e um funcionamento de um discurso sólido e convincente. "Somos obrigados pelo poder a produzir verdade", nos confessa o pensador, "somos obrigados ou condenados a confessar a verdade ou encontrá-la (…) Estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é a lei, e produz o discurso da verdade que decide, transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder (p.180)."


Pontos importantes

Para Foucault nos séculos XVIII e XIX, a população se torna um objeto de estudo e de gestão política. Passagem da norma da lei. Em uma sociedade centrada sobre a lei mudou para uma empresa de gestão com foco no padrão. Esta é uma conseqüência da grande revolução liberal.

Conceito de micro-geração de forças discurso para controlar quem está na norma ou não.

Conceito de biopoder: o poder de morrer e deixar viver foi substituído pelo biopoder que é Viver e deixar morrer, do estado de bem-estar: segurança social, seguros, etc.).

Figura do panóptico (prisão projeto arquitetônico inventado por Bentham e destinada a garantir que todos os prisioneiros podem ser vistos a partir de uma torre central) como um paradigma da evolução da nossa sociedade, ou o que já é bastante ( ver o conceito deleuziano de "sociedade de controle", na discussão com a obra de Foucault).

As relações de poder permeiam toda a sociedade. Um discurso diz que o paradigma da sociedade da guerra civil, que todas as interações sociais são versões derivadas da guerra civil. Podemos inverter a proposta de Clausewitz e dizer que a política é a continuação da guerra por outros meios.

Conceito grego de Cuidado de Si, como base para a ética.

Recepção

Além de que a filosofia de Foucault influenciou (como ele foi influenciado por) o número de movimentos de protesto em França e no mundo anglo-saxão desde 1970 (o movimento anti-psiquiatria de prisioneiros através do movimento feminista. Este vasto campo capas de Estudos de Gênero (Judith Butler, David Halperin, Leo Bersani) e análise da subjetivação "minoria" (Didier Eribon) na história do direito e arqueologia "outros" do Estado bem-estar (François Ewald, Paolo de Nápoles) e / ou teorias sociais (sobre ética seu lado: Bruno Karsenti Mariapaola Fimiani) ou social (no seu lado político: Paul Rabinow, Eric Fassin), através da revisão do economia política (Giorgio Agamben, Antonio Negri, Judith Revel, Maurizio Lazzarato).

E apesar de alguns mal-estar da sociologia, enquanto que o método permite que o sociólogo que visa a abordagem de Foucault concepção construtivista fundamental nesse sentido, como o indivíduo é criado no "social".

A concepção de que Foucault defendeu intelectuais contra os poderes, avançando figura do 'intelectual específico', e sua relação com o marxismo, continuam a alimentar a controvérsia.

"O heroísmo de identidade política teve seu dia. Este é, estamos a procura, e como a extensão dos problemas com que se debate a forma de participar e saiu sem ficar presa. Experiência com ... em vez de voluntários com ... As identidades são definidas pelas trajetórias ... trinta anos de experiência nos levam "para confiar em qualquer revolução, ainda que pode" compreender cada revolta "... dispensa da forma vazia de uma revolução universal deve, sob pena do capital total, acompanhado por uma lágrima conservadorismo. E com tudo o mais urgente que a sociedade está ameaçada em sua existência por esse conservadorismo seja pela inércia inerente ao seu desenvolvimento. " - Para um desconforto moral

Portanto a análise das relações de poder não devem ser centradas no estudo dos seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes, e sim realizar sua analise pelos "elementos periféricos" do sistema do poder. Devemos estudar onde estão as,

"práticas reais e efetivas; estudar o poder em sua face externa, onde ele se relaciona direta e imediatamente com aquilo que podemos chamar provisoriamente de seu objeto (…) onde ele se implanta e produz efeitos reais (…) como funcionam as coisas ao nível do processo de sujeição ou dos processos contínuos e ininterruptos que sujeitam corpos, dirigem gestos, regem os comportamentos (Foucault, 1979, p.182)".

"Trata-se (…) de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações (…) captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam (…) Em outras palavras, captar o poder na extremidade de cada vez menos jurídica de seu exercício (Foucault, 1979, p.182)."

Michel Foucault viveu sua homossexualidade ao lado do companheiro Daniel Defert, seu amante de longos vinte anos, dez anos mais novo que o filósofo, mas de fôlego intelectual intenso. Defert ainda vive e milita contra a AIDS ou SIDA.


Obras


Fonte:Wikimedia Foundation


A origem do diabo


A ideia de oposição entre Deus e o Diabo nasce sob a influência da religiosidade persa.

Por Rainer Sousa

Ao falarmos sobre o século XXI, muitos, logo apontam essa como a era da tecnologia, da razão e da ampla circulação de conhecimento. Sob tal quadro, fica difícil imaginar que a figura mítica do demônio tenha espaço na explicação do mundo ou no próprio imaginário das pessoas. Entretanto, uma recente pesquisa demonstrou que o número de exorcistas, clérigos responsáveis pela expulsão de demônios, credenciados pela Igreja Católica, vêm crescendo de forma impressionante.

De fato, desde que o mundo é mundo, observamos que as culturas ocidentais e orientais elaboram formas de explicar as mazelas que nos afligem. Nesse esforço, a construção de uma figura maligna, acaba assumindo os valores morais e comportamentos de menor prestígio em nossa cultura. Nas religiões cristã, judaica e islâmica, o mal encarna a figura de um indivíduo que se opõe a Deus e busca atormentar a vida de todos os seguidores de tais religiões.

Para muitos especialistas, o desenvolvimento da figura diabólica é fruto das várias dualidades que permeiam o cotidiano do homem. O belo e o feio, a sorte e o azar, o certo e o errado, a vida e a morte compõem jogos em que um lado assume significação positiva e o outro, necessariamente, uma posição completamente negativa. Dessa forma, não se enganem aqueles que acreditam que o universo demoníaco seja um traço singular às três religiões anteriormente citadas.

No século VI a.C., o profeta persa Zoroastro realizou a descrição de um ser chamado Arimã. Segundo as suas palavras, Arimã era o “príncipe das trevas” e travava uma eterna luta contra Mazda, o “príncipe da luz”. Segundo historiadores, esse valor da religiosidade persa acabou sendo incorporado pelos hebreus durante o famoso Cativeiro da Babilônia. Naquele instante, a interação com a cultura estrangeira deu origem ao “satan”, termo que em sua tradução literal significa “acusador” ou “adversário”.

Em um primeiro momento, o demônio hebraico não assume a postura estritamente aterrorizante que reconhecemos no cristianismo. Em várias passagens do Velho Testamento, ele surge como uma espécie de colaborador que recebe a autoridade divina para punir ou testar os fiéis seguidores de Javé. O sofrimento de Jó, que perdeu todas as suas terras e ficou adoentado, exemplifica esse tipo de postura que o demônio assume inicialmente no texto bíblico.

Por volta do século II a.C. a figura do demônio aparece em alguns textos apócrifos da tradição religiosa judaica. Se assumir uma feição muito bem definida, os demônios são apresentados como seres malignos que desorientam os indivíduos e os levam a cometerem atos deploráveis. No final das contas, o lado mais sombrio do imaginário religioso judaico esteve concentrado em descrições sobre o fim dos tempos. A fama do diabo apareceu mais tarde, com o aparecimento da religião cristã.

Chegando aos textos do Novo Testamento, autores como São João e São Paulo dedicam linhas e mais linhas em terríveis batalhas em que o Diabo trava uma intensa guerra contra Deus. Nesse instante, de criaturas efêmeras e indefinidas, os demônios passam a fazer parte de uma legião de seres espirituais malignos chefiados por um líder supremo. Em uma dessas batalhas, podemos destacar uma descrição em que Lúcifer e um terço dos anjos são expulsos dos céus.

No início do cristianismo, vários cristãos acreditavam que o demônio assumia a feição dos gladiadores e leões que os trucidavam nas arenas romanas. Somente no século IV, um concílio na cidade de Toledo descreveu minuciosamente o Diabo como um ser composto por chifres, pele preta ou avermelhada, com rabo e portador de um tridente. A partir de então, os relatos sobre experiências demoníacas ganhavam força em uma nova leva de narrativas.

Assim, a figura do demônio assumia formas e logo seria portador de uma gênese individualizada. Em 1215, o Concílio de Latrão determinou que o Diabo e os demônios eram criaturas criadas por Deus que, por conta de suas opções particulares, preferiram se desviar da autoridade divina. Nesse contexto, ao mesmo tempo em que o inimigo se tornava claramente reconhecido, outras histórias falavam sobre pessoas que se entregavam ao temível lado da obscuridão.

De acordo com pesquisas mais recentes, a disseminação dos cultos aos demônios surgem justamente no efervescente século XIV. Em alguns países da Europa, a ordem dos Luciferinos pregava a ideia de que o escolhido de Deus era Lúcifer, por esse ter sido primordialmente designado como “o anjo de luz”. Na Itália, uma seita conhecida como “La Vecchia Religione” (A velha religião) organizava missas onde o pão consagrado era oferecido para os ratos e porcos.

Na Idade Moderna, o demônio era o maior acusado de conduzir as pessoas a praticar os atos heréticos combatidos pela Santa Inquisição. Manuais de exorcismo detalhavam ricamente as manifestações e formas de se expulsar o capeta. Em vários casos, reforçando o ideal de fragilidade da condição feminina, as freiras apareciam em público tomadas por demônios, pronunciando várias ofensas contra Deus e os homens santificados pela Igreja.

Após o Iluminismo, vemos que a preocupação com o demônio ganha uma ênfase menor mediante a disseminação das explicações científicas, principalmente no campo médico. No final do século XIX, a literatura romântica passou a incorporá-lo como um ser que representa a capacidade de o homem raciocinar livremente. Um dos mais conhecidos exemplos dessa outra significação aparece na obra “O Fausto”, escrito pelo alemão Johann Wolfgang Von Goethe.

No século passado, a relação entre o demônio e o poder de constar padrões acabou sendo sistematicamente explorado na criação de boatos sobre artistas e celeridades do campo musical. Em meio à explosão dos meios de comunicação, a demonização de certos conjuntos musicais e artistas se transformaram em um caminho certo para a fama, seja ela positiva ou negativa. Afinal de contas, nada é mais avesso ao diabo que a própria banalização.

Atualmente, a descrença no diabo acaba alimentando um interessante debate entre os pensadores da cultura. Para alguns destes, acreditar no diabo é algo fundamental para que a sociedade reforce os seus limites éticos e morais. Desconstruir uma imagem do mal pode levar as pessoas a simplesmente ignorarem os comportamentos hediondos. No fim das contas, acreditar nas forças malignas não deixa de ser uma forma de reforço às qualidades positivas do indivíduo.

Fonte:http://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/a-origem-do-diabo.htm

Antes de Colombo

Chegada do homem ao território americano é alvo de pesquisas e polêmica

EVANILDO DA SILVEIRA


Pintura em caverna na serra da Capivara,
no Piauí / Foto: Evanildo da Silveira

Ao desembarcar na praia de uma ilha do Caribe, numa manhã ensolarada de uma sexta-feira, dia 12 de outubro de 1492, Cristóvão Colombo foi recebido por um povo amistoso, os tainos, que ele estava convencido serem indianos. O navegador genovês a serviço da Espanha não sabia, mas sua chegada marcou, na verdade, o reencontro de duas linhagens evolutivas do Homo sapiens, que estavam separadas havia pelo menos 50 mil anos, a sua própria, europeia, e a dos americanos de então, mongoloides, aparentados com os povos asiáticos. Desde então, persiste o mistério: como as populações encontradas por Colombo chegaram a este novo mundo descoberto por ele, mais tarde batizado de América? Dois trabalhos recentes de pesquisadores brasileiros (um livro e um artigo científico) são uma tentativa de responder, pelo menos em parte, a essa questão.

As duas respostas não convergem, no entanto. Na verdade, elas aumentam a controvérsia que cerca o assunto há muito tempo. No livro O Povo de Luzia – Em Busca dos Primeiros Americanos, seus autores, o bioantropólogo Walter Alves Neves e o geógrafo Luís Beethoven Piló, ambos da Universidade de São Paulo (USP), apresentam sua teoria para a chegada do homem à América. Eles a chamam de Dois Componentes Biológicos Principais, porque, segundo essa tese, houve duas levas migratórias iniciais, a primeira há 14 mil anos e a segunda há 11 mil, vindas da Ásia pelo estreito de Bering. A mais remota seria composta por uma população com traços que lembram os dos africanos e aborígines australianos. "A segunda era de mongoloides, semelhantes aos asiáticos e índios americanos atuais", explica Neves.

O artigo, por sua vez, de autoria de três geneticistas brasileiros e um antropólogo argentino e que foi publicado em junho de 2008 na versão on-line do American Journal of Physical Anthropology, não nega a existência dessa diversidade de traços entre os primeiros americanos. A diferença é que os autores defendem que houve uma leva migratória principal, que chegou ao continente há 18 mil anos. Antes disso, a partir de 25 mil atrás até a saída para a América, os ancestrais dos migrantes haviam ficado "presos" na Beríngia, região que unia o Alasca ao nordeste da Sibéria e que naquela época não estava submersa (era o auge do último período glacial e o mar estava 120 metros abaixo do nível atual). "Essa população era morfologicamente diversificada e abrigava desde tipos semelhantes aos africanos até os parecidos com os índios atuais", explica Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma das autoras do trabalho.

Cruzando o Atlântico

Uma outra teoria brasileira sobre a ocupação da América, bem mais polêmica, foi proposta pela arqueóloga Niède Guidon, com base em suas descobertas em vários sítios arqueológicos na região do município de São Raimundo Nonato, no sul do Piauí. Segundo ela, o homem chegou à região há mais de 100 mil anos, vindo diretamente da África pelo Atlântico. Niède também considera que, nessa época, o planeta estava num período glacial, com o mar 120 metros abaixo do nível atual. "O número de ilhas entre a costa euro-africana e a costa sul-americana era bem maior", diz. "Além disso, as correntes marítimas favoreciam a passagem para leste, para o Caribe e para o litoral norte do Brasil."

As teorias dos pesquisadores brasileiros não são as únicas que tentam explicar a chegada do homem à América. Na verdade, elas são apenas as mais recentes e estão tentando se impor diante de outras explicações mais antigas e consagradas, propostas principalmente por arqueólogos norte-americanos. A mais velha e renitente delas é o modelo conhecido em inglês como Clovis-first (Clóvis-primeiro). Esse nome se deve a um sítio arqueológico assim denominado, descoberto em 1939, no Novo México, nos Estados Unidos. Nesse local, foram encontrados artefatos de pedra lascada, datados de 11,4 mil anos, com destaque para as famosas pontas de flecha e de lança.

Segundo os defensores desse modelo, objetos como esses teriam dado origem a todas as demais formas de fabricar artefatos de pedra do continente. Além disso, de acordo com o livro de Neves e Piló, nessa teoria está implícito que houve apenas uma via de entrada para esses pioneiros, o estreito de Bering, e que teriam chegado representantes de apenas um grande estoque biológico humano, quer dizer, membros de um mesmo povo – aquele conhecido popularmente como mongoloide e que hoje domina quase completamente a Ásia. A chegada teria ocorrido há cerca de 12 mil anos e nenhum ser humano teria colocado os pés no continente antes dessa data. "Em razão do peso intelectual dos Estados Unidos na produção científica mundial, Clóvis-primeiro foi imposto de forma mais ou menos unilateral por profissionais da América do Norte para todo o continente", diz Neves.

Dogma enterrado

Há ainda uma teoria chamada Modelo das Três Migrações, proposta em 1983 pelo norte-americano Christy Turner, que se baseou num amplo levantamento da diversidade dentária, incluindo análises de populações pré-históricas da Austrália e da Melanésia, do sul, leste e nordeste da Ásia, além das três Américas. Diante dos resultados obtidos, ele concluiu que houve três levas migratórias da Sibéria para a América. A primeira, há 11 mil anos, teria dado origem a todos os índios das Américas Central e do Sul e à esmagadora maioria dos povos nativos norte-americanos. A segunda teria chegado há 9 mil anos e originou os índios de língua na-dene, ancestrais de apaches e navajos, representados sobretudo na costa pacífica dos Estados Unidos e do Canadá. A última seria bem mais recente – de cerca de 4 mil anos atrás –, e era composta pelos ancestrais dos esquimós e dos povos aleutas (do arquipélago das Aleutas, no Círculo Polar Ártico).

Em 1986, essa tese foi reforçada por dados da genética e da linguística levantados por dois colegas de Turner, Stephen Zegura e Joseph Greenberg. Essa nova explicação não contraria a teoria Clóvis-primeiro. Na verdade dá suporte a ela. "Do ponto de vista biológico, as ideias de Turner e associados dominaram todo o cenário acadêmico ligado à questão da ocupação do Novo Mundo durante grande parte dos anos 1980 e 90", diz Neves. "Elas têm sido usadas intensivamente pelos clovistas para dar sustentação ao modelo Clovis-first e ajudaram a torná-lo quase inexpugnável."

Por isso, Neves diz que o debate que se travava até há pouco tempo sobre quando os primeiros humanos chegaram à América podia ser facilmente dividido em dois grupos distintos de pesquisadores: de um lado os clovistas, de outro os pré-clovistas. "Poucas discussões na área da arqueologia e da antropologia atingiram temperaturas tão altas quanto essa no mundo acadêmico", escreve ele em O Povo de Luzia. "Clovistas ferrenhos recusavam-se até mesmo a examinar com seriedade qualquer possibilidade de que poderia ter havido humanos no continente americano antes dos fatídicos 11,4 mil anos, que marcam o início da cultura Clóvis na América do Norte. Já os pré-clovistas acreditam que existem evidências mais que suficientes, sobretudo na América do Sul, para que o dogma clovista seja definitivamente enterrado."

Isso de fato começou a ocorrer em 1997, quando Tom Dillehay, da Universidade de Kentucky, nos Estados Unidos, publicou um livro em que relata em detalhes os resultados de suas escavações no sítio de Monte Verde, localizado a apenas 60 quilômetros da costa do Pacífico, próximo à cidade de Puerto Montt, no sul do Chile. "Para muitos, incluindo vários clovistas empedernidos, os dados minuciosamente apresentados por Dillehay não deixaram margem a dúvidas: o homem estava mesmo presente em Monte Verde havia pelo menos 12,3 mil anos", diz Neves.

Provas contra Clóvis

Descobertas em outros sítios arqueológicos da América do Sul reforçaram essa constatação e a posição dos pré-clovistas. Entre esses sítios estão Taima-Taima, na Venezuela, onde foram encontrados indícios de presença humana de 15 mil anos; Piedra Museo e Los Toldos, na Argentina, com vestígios de 13 mil anos, além de Tibitó, na Colômbia, e Quebrada Jaguay e Pachamachay, no Peru, com datações antigas de até 11,8 mil anos. No Brasil, uma descoberta importante foi relatada em 1996, na revista Science, por Anna Roosevelt, então ligada ao Museu Field, de Chicago, dando conta de uma ocupação humana em plena floresta amazônica datada de 11,3 mil anos. Diante de tantas evidências, em março de 1998, a Sociedade Norte-Americana de Arqueologia, a maior defensora de Clóvis, reconheceu Monte Verde como o povoamento mais antigo da América.

É nesse contexto que se inserem as descobertas dos brasileiros e as teorias que elaboraram a partir delas. Em seu livro, Neves e Piló contam a história de mais de 150 anos de pesquisas nas grutas e abrigos calcários da região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Iniciadas em 1835 pelo dinamarquês Peter Lund, as escavações feitas por vários cientistas ao longo desse tempo todo desenterraram provas de ocupações passadas, tanto do homem como da chamada megafauna do Pleistoceno – período geológico que se estende de 2 milhões até 10 mil anos atrás –, composta de animais hoje extintos, como tatus e preguiças-gigantes e tigres-dentes-de-sabre.

A obra, lançada em abril do ano passado, também traz à luz a história dos trabalhos realizados nas últimas duas décadas pelos autores na mesma região estudada por Lund. Neves e Piló relatam como foi feita a reconstituição do rosto de Luzia a partir de seu crânio, descoberto em 1974 pela arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire no sítio chamado Lapa Vermelha IV, em Lagoa Santa. Durante mais de 20 anos, os restos desse indivíduo jovem, do sexo feminino, ficaram guardados no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Em 1995, Neves fez medidas antropométricas do crânio e apresentou os resultados preliminares em 1998, num congresso da Associação Norte-Americana de Antropologia Física. Os dados mostravam que Luzia tinha mais a ver com os africanos do que com os índios atuais.

Traços ancestrais

Essa análise ganhou mais força no ano seguinte, quando foi apresentada a reconstrução da fisionomia de Luzia, feita pelo especialista britânico Richard Neave, por encomenda da rede de comunicação BBC, que estava produzindo um documentário sobre a chegada do homem ao continente americano. "A reconstrução facial realizada por Neave, sem ter nenhuma informação prévia sobre o assunto, convergiu totalmente com estudos que havíamos realizado anteriormente com base no crânio seco: Luzia não era mongoloide."

O resultado deu mais visibilidade à teoria de Neves, segundo a qual os primeiros americanos podem ter partido da Ásia, apesar de sua semelhança com africanos, rumo à América pelo estreito de Bering. A diferença dessa ideia com outras que dizem o mesmo é que esse deslocamento teria ocorrido antes que essa população evoluísse até adquirir a aparência asiática. Quer dizer, esse povo mantinha os traços de seus ancestrais, que haviam deixado a África cerca de 60 mil anos antes. "Assim, conseguimos explicar a existência de uma morfologia não-mongoloide no continente americano sem apelar para modelos pirotécnicos insustentáveis, como o das viagens transoceânicas", diz Neves.

O pesquisador da USP se refere à teoria proposta por Niède Guidon. Segundo essa arqueóloga paulista que fez carreira na França, retornou ao Brasil e desde 1978 realiza escavações no sul do Piauí, os primeiros homens passaram das ilhas e da costa africana para a América entre 150 mil e 110 mil anos atrás. Essa passagem se fez para o Caribe e para a costa norte do Brasil, com um ponto de chegada próximo ao atual rio Parnaíba, então muito grande. "Depois, ao longo de milênios, esses seres humanos se espalharam pelo continente, migrando inclusive para o norte, onde se encontraram, muito mais tarde, com os asiáticos que entraram pelo estreito de Bering", explica Niède.

Durante muito tempo essa ideia foi ridicularizada pela comunidade arqueológica. As provas apresentadas por Niède – ferramentas de pedra e restos de fogueiras descobertos pela pesquisadora em São Raimundo Nonato – nunca foram aceitas. Suspeitava-se que ambas não fossem obra do homem, mas da própria natureza. Em 2006, no entanto, Niède marcou um tento importante na luta para que sua teoria seja aceita. Uma análise feita por Eric Boëda, da Universidade de Paris, considerado um dos maiores especialistas do mundo em tecnologia lítica (de pedra) pré-histórica, mostrou que os artefatos foram mesmo produzidos por humanos. "O que se está discutindo agora é como esses homens chegaram aqui", diz Niède.

Modelo integrado

Assim como outros pesquisadores, o grupo binacional composto por um argentino e três brasileiros acredita ter a resposta para isso. Para elaborar sua explicação de como se deu a ocupação da América, eles se basearam em dados da genética, da morfologia craniana, da arqueologia e da linguística. O grupo analisou 10 mil amostras de dados genéticos e as características anatômicas de 576 crânios de populações extintas e atuais do continente americano. "Nosso trabalho é o primeiro em muitos anos a propor um modelo com essa integração de dados em um cenário coerente", diz Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), um dos membros do grupo.

Por essa teoria, com o aumento gradual da temperatura após o auge do período glacial, as geleiras foram derretendo e abriram as portas da América para o povo que estava "preso" na Beríngia. Uma parte dele migrou pela costa do Pacífico e iniciou uma rápida colonização do continente, a princípio pelo litoral, tendo alcançado o sul do Chile mais de 12,3 mil anos atrás.

A diversidade morfológica desses migrantes explica por que, apesar de ser de fato mais parecida com os aborígines da Austrália ou com os africanos do que com os índios atuais, Luzia não representa uma onda migratória separada, que teria chegado ao continente antes dos asiáticos típicos (mongoloides). "Também sugerimos que mais recentemente, alguns milhares de anos atrás, deve ter ocorrido alguma migração entre a Sibéria e o Alasca, o que explicaria a morfologia altamente diferenciada dos esquimós americanos e asiáticos atuais", acrescenta Bonatto.

Seja como for, esses três modelos são tentativas diferentes de contar uma história que, como lembra Maria Cátira, é única. Quer dizer, o fato é que o homem chegou à América num dia do passado e a povoou. Resta descobrir quando, de onde e como veio. Na visão dos proponentes de cada uma das teorias, as outras têm falhas. Na opinião de Niède, nenhuma proposta, exceto a sua, explica a antiguidade de suas descobertas. À medida que as escavações progrediram no sítio da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, as datações foram ficando cada vez mais recuadas, chegando, no caso das ferramentas de pedra lascada, a 58 mil anos pela técnica do carbono 14. A fogueira mais antiga seria de 100 mil anos atrás, conforme estabelecido por meio de termoluminescência – recurso que no entanto é questionado. De acordo com Maria Cátira, a proposta de Niède não é aceita porque é frágil. "Não há ossos [fósseis] datados desse período, apenas supostos artefatos", critica. "É uma ideia extraordinária que precisa de provas incontestáveis para ser aceita. Como esses povos chegaram? Por onde? Onde estão as outras linhas de evidência? Onde estão os fósseis?"

Vencendo resistências

Neves, que por mais de duas décadas foi adversário intelectual e crítico contundente das ideias de Niède, hoje é menos cético em relação à proposta dela. Já admite que a arqueóloga possa ter de fato encontrado artefatos feitos pelo homem, mas no máximo com até 32 mil anos, que é o limite de datação precisa pelo método do carbono 14. "Estou 99,9% convencido disso, mas não tenho nenhuma explicação sobre como esses humanos chegaram aqui em data tão antiga", diz.

Quanto ao trabalho do quarteto argentino-brasileiro, Neves está preparando um artigo como resposta, a ser publicado no mesmo American Journal of Physical Anthropology, mas diz que não pode adiantar seus argumentos. Limita-se a afirmar que a proposta do grupo é uma tentativa precipitada de espremer os dados de várias ciências para encaixá-los no modelo da biologia molecular. "Eles sacrificam coisas essenciais das outras áreas para que caibam na teoria de migração única defendida pela maioria – não a totalidade – dos biólogos moleculares", diz.

O antropólogo argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagónico, membro do quarteto, responde a Neves, mas evita polemizar. "Em nosso artigo não atacamos nenhum dos modelos anteriores, mas apenas os flexibilizamos", explica. "A teoria de Neves, por exemplo, deve ser modificada para que não se recorra a duas ondas migratórias, mas sim a uma população ancestral heterogênea somada a um fluxo genético circum-ártico."

Na verdade, o estudo dos quatro pesquisadores tenta conciliar as teorias anteriores existentes. "Nossa análise permitiu demonstrar que é compatível a história contada por ossos humanos antigos do continente (como os de Luzia) com os dados do DNA de povos indígenas modernos", explica outro integrante da equipe, Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Controvérsias à parte, o que se tem como certo sobre a dispersão do Homo sapiens pelo planeta é que ele surgiu na África entre 200 mil e 100 mil anos atrás e dali saiu em época bastante remota em direção ao que hoje é a Europa e a Ásia, tomando rumos evolutivos diversos, que levaram às diferenças de aparência que se podia notar entre Colombo e os povos que o receberam nas praias ensolaradas do Caribe.

Fonte:

A evolução do trabalho dos dentistas

Os dentes do ofício: a evolução do trabalho dos dentistas

Eles já recomendaram bochechos com xixi e foram especialistas em cortar cabelos - mas salvaram nossa pele ao inventar a anestesia. Conheça a milenar (e assustadora) saga dos dentistas

por Mariana Sgarioni

Deitado, de boca aberta há vários minutos, o homem não pára de suar frio. Na luta para lhe extrair um den­te do siso, o dentista apóia os cotovelos no peito do paciente. O sangue jorra até que, enfim, o dente sai na ponta do alicate – o temido boticão. Esta cena aconteceu há mais de 2 mil anos. Mas pode também ter acontecido agora há pouco, em um consultório perto da sua casa. “O cirurgião deve agarrar firmemente a cabeça do paciente entre seus joelhos e aplicar um boticão robusto, extraindo o molar verticalmente, para que não se quebre”, escreveu Albucassis, cirurgião árabe do século 5. É lógico que hoje contamos com novas tecnologias – a começar pela anestesia –, mas o método e os instrumentos para esse tipo de intervenção não mudaram tanto assim. Deve ser por isso que, quando se fala em dentista, muita gente sente um certo incômodo (para não dizer pânico).

Embora nosso imaginário sugira outra coisa, os dentistas estão bem longe de serem torturadores sádicos. Foram eles que batalharam, por exemplo, para inventar a anestesia, que nos livra de dores muito piores que as de dente. Tiveram ainda uma importante participação na pesquisa de medicamentos e cuidados que contribuíram muito para a evolução do saneamento e da saúde pública. Entretanto, é verdade que, apesar de ter se estabelecido em cima de sólidos preceitos científicos, a história da odontologia passa por alguns momentos horripilantes. Prepare-se para conhecê-la melhor a partir de agora. E pensar sobre isso quando estiver sentado numa sala de espera, lendo uma revista velha e ouvindo Ray Conniff, enquanto aguarda por mais uma sessão daquele famigerado tratamento de canal.

Grandes arrancadas

Há tempos os dentes nos causam dor de cabeça (e de dente, lógico). Pesquisadores da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, descobriram que, na África, uma bactéria causadora de cáries já infestava a boca de seres humanos há 100 mil anos. Os cuidados com os dentes também parecem ser bastante antigos – e podem não ter sido exclusividade da nossa espécie. Em setembro deste ano, paleontólogos espanhóis divulgaram a descoberta, na região de Madri, de dois molares neandertais com mais de 60 mil anos. Eles traziam marcas aparentemente causadas por gravetos de madeira, o que indica que esses hominídeos (que acabaram extintos) gostavam de palitar – ou “escovar” – os dentes.

Os mais antigos relatos conhecidos sobre problemas com os dentes têm cerca de 5 mil anos. Eles dizem que as cáries seriam causadas por “vermes” e foram encontrados em tabletes de argila sumérios feitos na Mesopotâmia, a planície situada entre os rios Tigre e Eufrates (no atual Iraque). Na mesma região, foram achadas peças de limpeza dentária, como palitos feitos de metal trabalhado, que teriam sido elaboradas por volta de 3500 a.C. Demoraria um bocado, entretanto, para que alguém achasse necessário formar profissionais especializados em odontologia.

Os primeiros dentistas de que se tem notícia eram médicos. O mais antigo deles foi o egípcio Hesi-Re, que viveu há cerca de 4500 anos. Ele era conhecido como o “maior médico que tratava dos dentes” – modo como foi eternizado em hieróglifos. Parece que a especialidade de Hesi-Re e seus contemporâneos era a extração – é o que indicam os crânios banguelas daquela época que foram encontrados. O que não faltava era trabalho: os egípcios sofriam de uma grande variedade de enfermidades dentais, causadas por falta de higiene e por sua alimentação. A farinha usada no pão, base da dieta egípcia, vinha carregada de grãos de areia. O mesmo acontecia com os vegetais, que eram cultivados em solo arenoso e não eram lavados adequadamente. O hábito involuntário de mastigar areia causava um desgaste enorme nos dentes, além de inúmeros abcessos na boca.

Papiros catalogados na Universidade de Leipzig, na Alemanha, registram diversos tratamentos egípcios para doenças bucais. Para o dente que “corrói as partes altas da carne”, um deles recomenda “amassar uma pasta e aplicar sobre o dente uma parte de cominho, uma parte de incenso e uma parte de cebola” – imagine só o resultado. Já para os abcessos, o tratamento dos egípcios era feito com furos na gengiva, que aliviavam a pressão das bolas de pus que se formavam no local.

Na Grécia antiga, os hábitos de higiene bucal eram um pouco mais parecidos com os nossos. Diocles de Caristo, médico que viveu no século 4 a.C., aconselhava: “A cada manhã deveis esfregar vossas gengivas e dentes com os dedos desnudos e com menta finamente pulverizada, por dentro e por fora, e em seguida deveis retirar todas as partículas de alimento aderidas”. Já os romanos, influenciados pela cultura grega, usavam pós dentifrícios – parentes distantes dos cremes dentais – feitos à base de ossos, cascas de ovos e conchas de ostra. A escovação também foi defendida por ninguém menos que Maomé. No Oriente Médio do século 7, o fundador do islamismo orientava seus seguidores a usarem o siwak – o precursor da escova de dentes, feito de um ramo de árvore cuja madeira contém bicarbonato de sódio.

A principal contribuição dos muçulmanos para a odontologia foi dada por Avicena, que viveu entre 980 e 1037. Um dos médicos mais respeitados do Oriente Médio, ele lançou princípios que chegaram à Europa e se tornaram a base do tratamento dentário medieval. O principal deles se refere a fraturas de mandíbula: Avicena recomendava a aplicação de uma bandagem de fixação em torno do queixo, cabeça e pescoço, além de uma pequena tábua ao longo dos dentes.

Barbeiragens dentárias

Na Idade Média, os responsáveis por exercer a medicina eram os monges católicos. A coisa mudou de figura a partir de 1163, quando a Igreja os proibiu de realizar qualquer tipo de procedimento cirúrgico – incluindo os tratamentos dentários. Essas tarefas sobraram então para os barbeiros. Mas por quê? Em primeiro lugar, é bom dizer que os barbeiros medievais não cuidavam apenas de pêlos. De tanto ir aos mosteiros fazer a barba e tosar os cabelos dos monges, os barbeiros acabavam aprendendo um pouco de medicina com eles. Tornaram-se, com o tempo, auxiliares cirúrgicos dos monges, especializando-se nos diversos tipos de intervenção que os sacerdotes não podiam mais fazer. Tiravam pedras da bexiga, abriam abscessos, praticavam sangrias e, é claro, extraíam dentes. Com o passar dos anos e o afrouxamento da linha dura da Igreja, os monges puderam fazer cirurgias de novo. Mas os barbeiros tinham se tornado arrancadores de dentes tão bons nisso que alguns médicos encaminhavam a eles os pacientes que precisavam de ajuda odontológica.

O aumento de prestígio dos cirurgiões-barbeiros, como passaram a ser chamados, começou a causar confusão dentro da medicina. Em 1540, o rei Henrique VIII, da Inglaterra, publicou um estatuto para a Real Comunidade dos Cirurgiões-Barbeiros, delimitando as áreas de atuação dos barbeiros e dos médicos. As extrações dentárias ficaram permitidas aos dois grupos. Até o século 18, a maior parte dos barbeiros seguiu oferecendo serviços dentários aos seus clientes. E a odontologia continuou sendo exercida de forma um tanto mambembe, por profissionais muitas vezes inaptos. Alguns, por exemplo, costumavam armar tendas em mercados e feiras livres – assistir às manipulações bucais feitas pelos barbeiros era uma das diversões preferidas dos passantes.

Enfim, uma ciência

O hábito de ter dentes arrancados em praça pública começou a mudar na época em que o francês Pierre Fauchard escreveu O Cirurgião Dentista. Publicado em 1728, o livro foi um marco na história daodontologia. “Aperfeiçoei e também inventei várias peças artificiais para a substituição dos dentes e para remediar sua perda completa, ainda que em prejuízo do meu próprio interesse”, escreveu, anunciando a invenção de pivôs e dentaduras – e achando que as soluções duradouras iriam diminuir sua clientela. Foi a partir do trabalho de Fauchard que a odontologia foi separada da medicina (e da barbearia).

Além de ter sido pioneiro nas próteses, Fauchard dotou o gabinete de dentista de cadeira apropriada (antes os tratamentos eram, em geral, feitos no chão) e defendeu a odontologia preventiva. Algumas das receitas eram bizarras: Fauchard mandava, por exemplo, enxaguar a boca de manhã com várias colheradas da própria urina. Apesar disso, foi reverenciado por seus sucessores. “Considerando as circunstâncias em que viveu, Fauchard merece ser lembrado como um ilustre pioneiro e fundador da ciência odontológica. Se sua prática era tosca, isso se deveu aos tempos”, disse certa vez o dentistaamericano Chaplin Harris, que em 1840 fundou a primeira escola de odontologia do mundo, o Baltimore College of Dental Surgery, nos Estados Unidos.

Pouco depois que Harris fundou sua faculdade, um dentista americano deu uma contribuição decisiva para minimizar o sofrimento dos pacientes. Em 1844, o jovem Horace Wells resolveu fazer uma experiência em si mesmo: inalou óxido nitroso – ou “gás hilariante” – antes de um colega lhe extrair um dente. O gás havia sido descoberto em 1776 pelo cientista inglês Joseph Priestley, que provara sua capacidade de acalmar as dores físicas e provocar uma sensação agradável. Sob efeito do gás, Wells não sentiu dor alguma. E virou uma celebridade instantânea.

A fama de Wells, entretanto, durou pouco mais de um mês. Numa demonstração de extração dentária com óxido nitroso, feita diante de um grupo de cirur­giões da Universidade Harvard, o paciente sentiu uma dor danada. Tudo porque Wells retirou o gás antes do tempo. A banca examinadora não perdoou e ele acabou caindo em descrédito. Nesse meio-tempo, quem se deu bem foi William Thomas Green Morton, aluno de Wells que, aconselhado pelo químico Charles Jackson, substituiu o óxido nitroso por éter. Depois de fazer testes em animais e em si mesmo, extraiu um dente de um paciente com absoluto sucesso – ou seja, sem um só grito de dor.

Wells, Morton e Jackson se engalfinharam para provar quem tinha sido o inventor da anestesia. Em 1848, Wells acabou se suicidando de desgosto. Só seis anos depois é que um congresso da Associação Médica Americana resolveu bater o martelo e disse que o descobrimento da anestesia tinha sido obra do “recém-desaparecido Horace Wells”. Morton e Jackson morreram na miséria.

Após a controvertida invenção da anestesia, os dentistas ainda ajudaram muito no avanço das ciências da saúde – aperfeiçoando a radiografia, por exemplo. Mas nem por isso os pacientes sorriem de gratidão quando pensam nos tratamentos odontológicos. Há cerca de dez anos, a Revista deOdontologia da Universidade de São Paulo fez uma pesquisa para saber que tipo de emoção estava associada ao ato de ir ao dentista. Descobriram que duas das principais eram... o medo e a dor. Se você também treme só de pensar no barulho infernal do motorzinho, pelo menos agora já sabe que, antes, tudo era ainda pior.

Para limpar, extrair ou disfarçar

Veja os antepassados de quatro marcos da odontologia

Boticão

Com a aparência de um alicate, serve para extrair fragmentos ósseos e dentes. Na Grécia foram encontrados fórceps dentários datados de cerca de 5 a.C.

Dentadura

A mais antiga prótese removível feita para substituir dentes foi encontrada no Japão. De madeira, ela pertenceu à sacerdotisa budista Nakaoka Tei, que viveu no século 16. A dentadura teria sido feita pela própria dona, uma habilidosa artesã. Cerca de 120 antigas próteses japonesas semelhantes a essa já foram achadas.

Pivô

É um dente artificial fixado à raiz por meio de um pino metálico. Até o século 19, muitas dessas próteses não eram sintéticas, mas ossos e dentes tirados de animais e – isso mesmo – de cadáveres humanos.

Escova de dentes

Maomé, no século 7, orientava os muçulmanos a usar o siwak, um galho com a ponta desfiada, para limpar a boca. Já a primeira escova de dentes moderna foi criada pelos ingleses no século 17. O cabo era feito de osso, com perfurações em que eram amarradas cerdas feitas de pêlo de porco.

Doutores da alegria

Homens que ajudaram a construir um mundo com menos banguelas

Albucassis (936-1013)

Cirurgião árabe nascido em Córdoba, deixou um grande legado para a odontologia. Foi o primeiro a descobrir, por exemplo, que as inflamações da gengiva tinham a ver com enfermidades dos dentes.

Guy de Chauliac (1300-1368)

O francês foi um dos mais importantes nomes da cirurgia medieval. Em seu livro Inventorium, ele analisou a anatomia dos dentes e elaborou uma longa relação das doenças de que eles são vítimas.

Pierre Fauchard (1678-1761)

Considerado o pai da odontologia moderna, o francês sintetizou tudo o que se sabia no Ocidente sobre o assunto no livro O Cirurgião Dentista. Recomendava cuidados preventivos com os dentes.

ChapLin Harris (1806-1860)

Um dos principais responsáveis pela criação da primeira escola de odontologia do mundo, em 1840, da primeira Associação Nacional de Dentistas e da primeira revista científica reconhecida da área – tudo nos Estados Unidos.

Horace Wells (1815-1848)

Americano, é considerado o inventor da anestesia por ter sido o primeiro a usar o óxido nitroso (ou gás hilariante) para eliminar as dores de um paciente em um procedimento odontológico.

No país de Tiradentes

Ele foi nosso mais célebre cirurgião-barbeiro

Até 1884, quando surgiram faculdades de Odontologia no Rio de Janeiro e na Bahia, os cuidados com os dentes dos brasileiros eram bastante precários. Assim como na Europa medieval, quem dava conta do recado por aqui eram os cirurgiões-barbeiros. A partir de 1782, uma lei obrigava os barbeiros que queriam cuidar de dentes a tirar uma licença especial conferida pelo “cirurgião-mor” (quem não a possuísse poderia ser preso). O mais conhecido de nossos práticos da odontologia foi o mineiro Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Apesar de ter ficado mais famoso por sua atuação política que por sua habilidade com a boca alheia, ele era considerado um bom dentista – ofício que aprendeu com seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão. O frei Raymundo de Pennaforte, que conhecia Tiradentes, disse que ele tirava dentes “com a mais sutil ligeireza e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais”. Ou seja: apesar de seu apelido, nosso mártir da Inconfidência também era bom em colocar dentes (eitos de materiais como ossos esculpidos). Para completar sua profissão, Tiradentes provavelmente também fazia barba, cabelo e bigode – na cela em que ele esteve antes de ser enforcado, foram encontradas duas navalhas e um espelho.

Fonte:Aventuras na História