27.4.11

Revistas Eletrônicas de História

Revistas Eletrônicas

Fênix - Revista de História e Estudos Culturais

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ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte

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Boletim Eletrônico do Tempo Presente

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Cadernos de História: Publicação do corpo docente do departamento de História UFOP

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Chonos Scriotum: Revista Eletrônica de História

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EMBORNAL: Revista Eletrônica da ANPUH-CE

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Esboços - Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC

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História Agora - Revista de História do Tempo Presente

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História da Historiografia

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História e- História

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Histórica: Revista Eletrônica do Arquivo do Estado

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Intellèctus

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MORPHEUS: Revista Eletrônica em Ciências Humanas

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Oralidades: Revista de História Oral da USP

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Ponta de Lança: História, Memória & Cultura

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Práxis: Revista Eletrônica de História e Educação

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Revista Antíteses do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina

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Revista Crítica Histórica

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Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval

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Revista Eletrônica de História Comparada

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Revista Eletrônica de História do Brasil UFJF

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Revista Eletrônica do Centro de Estudos do Imaginário UFRO

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Revista Eletrônica História em Reflexão

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Revista Eletrônica Outros Tempos, publicação do curso de História da Universidade Estadual do Maranhão

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Revista Em Tempo de Histórias - UNB

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Revista Militares na Política

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Revista Urbana - Periódico do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade - CIEC/Unicamp

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SPARTACUS: Revista Eletrônica dos Acadêmicos do Curso de História da UNISC

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Tempo e Argumento: Revista do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina

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Tempo Histórico: Revista Eletrônica dos Estudantes de História

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Territórios e Fronteiras: Revista do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso

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26.4.11

FEIJOADA: BREVE HISTÓRIA DE UMA INSTITUIÇÃO COMESTÍVEL

“O paladar não é tão universal como a fome”, disse Luís da Câmara Cascudo em 1968. O ilustre etnógrafo e mais importante folclorista do País referia-se a um prato brasileiro, talvez o mais tipicamente brasileiro: a feijoada.

Para ele, era preciso uma predisposição especial para que se pudesse apreciar os sabores do prato, assim como para usufruir de todas as nuanças de certos vinhos. Em outras palavras, a culinária – e mesmo a “simples” apreciação desta – pressupõe a educação de um importante sentido, o paladar. Por isso, é bom conhecer um pouco da trajetória dessa instituição nacional que, além de ser uma das mais perenes, tem a vantagem de ser comestível.

Convencionou-se que a feijoada foi inventada nas senzalas. Os escravos, nos escassos intervalos do trabalho na lavoura, cozinhavam o feijão, que seria um alimento destinado unicamente a eles, e juntavam os restos de carne da casa-grande, partes do porco que não serviam ao paladar dos senhores. Após o final da escravidão, o prato inventado pelos negros teria conquistado todas as classes sociais, para chegar às mesas de caríssimos restaurantes no século XX.

Mas não foi bem assim.

A história da feijoada – se quisermos também apreciar seu sentido histórico – nos leva primeiro à história do feijão. O feijão-preto, aquele da feijoada tradicional, é de origem sul-americana. Os cronistas dos primeiros anos de colonização já mencionam a iguaria na dieta indígena, chamado por grupos guaranis ora comanda, ora comaná, ora cumaná, já identificando algumas variações e subespécies. O viajante francês Jean de Léry e o cronista português Pero de Magalhães Gândavo, ainda no século XVI, descreveram o feijão, assim como o seu uso pelos nativos do Brasil. A segunda edição da famosa Historia Naturalis Brasiliae, do holandês Willen Piso, revista e aumentada em 1658, tem um capítulo inteiro dedicado à nobre semente do feijoeiro.

O nome pelo qual o chamamos, porém, é português. Na época da chegada dos europeus à América, no início da Idade Moderna, outras variedades desse vegetal já eram conhecidas no Velho Mundo, aparecendo a palavra feijão escrita pela primeira vez, em Portugal, no século XIII (ou seja, cerca de trezentos anos antes do Descobrimento do Brasil).

Feijoada

Apenas a partir de meados do século XVI, começou-se a introduzir outras variedades de feijão na colônia, algumas africanas, mas também o feijão consumido em Portugal, conhecido como feijão- fradinho (de cor creme, ainda hoje muito popular no Brasil, utilizado em saladas e como massa para outros pratos, a exemplo do também famoso acarajé). Os cronistas do período compararam as variedades nativas com as trazidas da Europa e África, e foram categóricos, acompanhando a opinião do português Gabriel Soares de Souza, expressa em 1587: o feijão do Brasil, o preto, era o mais saboroso. Caiu no gosto dos portugueses.

As populações indígenas obviamente o apreciavam, mas tinham preferência por outro vegetal, a mandioca, raiz que comiam de várias formas – e até transformavam em bebida fermentada, o cauim – e que caiu também nas graças dos europeus e dos africanos. A mandioca era o alimento principal dos luso-americanos da capitania de São Paulo, os paulistas, que misturavam sua farinha à carne cozida, fazendo uma paçoca que os sustentava nas suas intermináveis viagens de caça a índios para a escravização. Mas também comiam feijão. Feijão-preto.

Feijoada

O feijoeiro, em todas as suas variedades, também facilitou a fixação das populações no território luso-americano. Era uma cultura essencialmente doméstica, a cargo da mulher e das filhas, enquanto o homem se ocupava com as outras plantações e com o gado. A facilidade do manejo e seus custos relativamente baixos fizeram com que a cultura do feijão se alastrasse no século XVIII entre os colonos. Segundo Cascudo, tornou-se lugar-comum nas residências humildes do interior do País a existência do “roçadinho”, no qual era atributo quase que exclusivo das mulheres o “apanhar” ou “arrancar” feijões.

A dispersão populacional dos séculos XVIII e XIX (até então a colonização era restrita às áreas litorâneas), seja por conta dos currais do Nordeste, do ouro e dos diamantes do Centro-Oeste ou das questões de fronteira com os domínios espanhóis no Sul, foi extremamente facilitada pelo prestigiado vegetal. Atrás dos colonos, foi o feijão. Ao lado da mandioca, ele fixava o homem no território e fazia, com a farinha, parte do binômio que “governava o cardápio do Brasil antigo”.

No início do século XIX, absolutamente todos os viajantes que por aqui passaram e descreveram os hábitos dos brasileiros de então mencionaram a importância central do feijão como alimento nacional.

No início do século XIX, absolutamente todos os viajantes que por aqui passaram e descreveram os hábitos dos brasileiros de então mencionaram a importância central do feijão como alimento nacional. Henry Koster afirmou em Recife, em 1810, que o feijão cozido com o sumo da polpa do coco era delicioso. O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied comeu feijão com coco na Bahia, em 1816, e adorou. O francês Saint-Hilaire sentenciava, nas Minas Gerais de 1817: “O feijão-preto forma prato indispensável na mesa do rico, e esse legume constitui quase que a única iguaria do pobre”. Carl Seidler, militar alemão, narrando o Rio de Janeiro do Primeiro Reinado, descrevia, em 1826, a forma como era servido: “acompanhado de um pedaço de carne de rês (boi) seca ao sol e de toucinho à vontade”, reproduzindo em seguida uma máxima que atravessaria aquele século e constitui ainda hoje, para o brasileiro comum, uma verdade insuperável: “não há refeição sem feijão, só o feijão mata a fome”. Mas, destoando dos outros cronistas, opinava: “o gosto é áspero, desagradável”. Segundo ele, só depois de muito tempo o paladar europeu poderia acostumar-se ao prato. Spix e Martius, naturalistas que acompanharam a comitiva da primeira imperatriz do Brasil, a arquiduquesa austríaca Leopoldina, fizeram referência à “alimentação grosseira de feijão-preto, fubá de milho e toucinho” em Minas Gerais. Também citaram o feijão como alimento básico dos baianos, inclusive dos escravos. O norte-americano Thomas Ewbank, em 1845, escreveu que “feijão com toucinho é o prato nacional do Brasil”.

Porém, o retrato mais vivo do preparo comum do feijão – não é ainda a feijoada – foi feito pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, fundador da pintura acadêmica no Brasil, sobrinho e discípulo de Jacques-Louis David. Descrevendo o jantar da família de um humilde comerciante carioca durante a estadia da corte portuguesa no Rio de Janeiro, afirmou que “se compõe apenas de um miserável pedaço de carne-seca, de três a quatro polegadas quadradas e somente meio dedo de espessura; cozinham-no a grande água com um punhado de feijões-pretos, cuja farinha cinzenta, muito substancial, tem a vantagem de não fermentar no estômago. Cheio o prato com esse caldo, no qual nadam alguns feijões, joga-se nele uma grande pitada de farinha de mandioca, a qual, misturada com os feijões esmagados, forma uma pasta consistente que se come com a ponta da faca arredondada, de lâmina larga. Essa refeição simples, repetida invariavelmente todos os dias e cuidadosamente escondida dos transeuntes, é feita nos fundos da loja, numa sala que serve igualmente de quarto de dormir”.

Feijoada

Além de professor da Academia Real de Belas-Artes, Debret, que esteve no Brasil entre 1816 e 1831, notabilizou- se pela realização de uma verdadeira crônica pictórica do país do início do século XIX, em especial do Rio de Janeiro, na qual constam pinturas como Armazém de carne-seca e Negros vendedores de lingüiça, além da referida cena da refeição.

Portanto, nem só de feijão viviam os homens. Os indígenas tinham uma dieta variada, e o feijão nem mesmo era o seu alimento preferido. Os escravos também comiam mandioca e frutas, apesar da base do feijão. Mas há o problema da combinação de alimentos, também levantado por Câmara Cascudo na sua belíssima História da Alimentação no Brasil. Havia, na Época Moderna, entre os habitantes da colônia (sobretudo os de origem indígena e africana), tabus alimentares que não permitiam uma mistura completa do feijão e das carnes com os outros legumes. Entre os africanos, aliás, muitos de origem muçulmana ou influenciados por esta cultura, havia interdição do consumo da carne de porco. Como, afinal, poderiam fazer nossa conhecida feijoada?

Na Europa, sobretudo na Europa de herança latina, mediterrânica, havia – e há, informa Cascudo – um prato tradicional que remonta pelo menos aos tempos do Império Romano. Consiste basicamente em uma mistura de vários tipos de carnes, legumes e verduras. Há variações de um lugar para o outro, porém é um tipo de refeição bastante popular, tradicional. Em Portugal, o cozido; na Itália, a casoeula e o bollito misto; na França, o cassoulet; na Espanha, a paella, esta feita à base de arroz. Essa tradição vem para o Brasil, sobretudo com os portugueses, surgindo com o tempo – na medida em que se acostumavam ao paladar, sobretudo os nascidos por aqui – a idéia de prepará-lo com o onipresente feijão-preto, inaceitável para os padrões europeus. Nasce, assim, a feijoada.

O que se sabe de concreto
é que as referências mais
antigas à feijoada não
têm nenhuma relação
com escravos ou senzalas,
mas sim a restaurantes
freqüentados pela elite
escravocrata urbana.

Segundo Câmara Cascudo, “o feijão com carne, água e sal, é apenas feijão. Feijão ralo, de pobre. Feijão todo-dia. Há distância entrefeijoada e feijão. Aquela subentende o cortejo das carnes, legumes, hortaliças”. Essa combinação só ocorre no século XIX, e bem longe das senzalas. O padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, conhecido como “Padre Carapuceiro”, publicou no jornal O Carapuceiro, de Pernambuco, em 3 de março de 1840, um artigo no qual condenava a “feijoada assassina”, escandalizado pelo fato de que era especialmente apreciada por homens sedentários e senhoras delicadas da cidade – isso em uma sociedade profundamente marcada pela ideologia escravocrata. Vale lembrar que as partes salgadas do porco, como orelha, pés, e rabo, nunca foram restos. Eram apreciados na Europa enquanto o alimento básico nas senzalas era uma mistura de feijão com farinha.

O que se sabe de concreto é que as referências mais antigas à feijoada não têm nenhuma relação com escravos ou senzalas, mas sim a restaurantes freqüentados pela elite escravocrata urbana. O exemplo mais antigo está no Diário de Pernambuco de 7 de agosto de 1833, no qual o Hotel Théâtre, de Recife, informa que às quintas-feiras seriam servidas “feijoada à brasileira” (referência ao caráter adaptado do prato?). No Rio de Janeiro, a menção à feijoada servida em restaurante – espaço da “boa sociedade” – aparece pela primeira vez no Jornal do Commercio de 5 de janeiro de 1849, em anúncio sob o título A bela feijoada à brasileira: “Na casa de pasto junto ao botequim da Fama do Café com Leite, tem-se determinado que haverá em todas as semanas, sendo às terças e quintas-feiras, a bela feijoada, a pedido de muitos fregueses. Na mesma casa continua-se a dar almoços, jantares e ceias para fora, com o maior asseio possível, e todos os dias há variedade na comida. À noite há bom peixe para a ceia.”

Nas memórias escritas por Isabel Burton, esposa do aventureiro, viajante, escritor e diplomata inglês Richard Burton, em 1893, remetendo- se ao período em que esteve no Brasil, entre 1865 e 1869, aparece um interessante relato sobre a iguaria. Falando sobre a vida no Brasil (seu marido conquistou a amizade do imperador D. Pedro II, e ela compartilhou do requintado círculo social da marquesa de Santos, amante notória do pai deste, D. Pedro I), Isabel Burton diz que o alimento principal do povo do País – segundo ela equivalente à batata para os irlandeses – é um saboroso prato de “feijão” (a autora usa a palavra em português) acompanhado de uma “farinha” muito grossa (também usa o termo farinha), normalmente polvilhada sobre o prato. O julgamento da inglesa, após ter provado por três anos aquilo a que já se refere como “feijoada”, e lamentando estar há mais de duas décadas sem sentir seu aroma, é bastante positivo: “É deliciosa, e eu me contentaria, e quase sempre me contentei, de jantá-la.”

A Casa Imperial – e não escravos ou homens pobres – comprou em um açougue de Petrópolis, no dia 30 de abril de 1889, carne verde (fresca), carne de porco, lingüiça, lingüiça de sangue, rins, língua, coração, pulmões, tripas, entre outras carnes. D. Pedro II talvez não comesse algumas dessas carnes – sabe-se de sua preferência por uma boa canja de galinha –, mas é possível que outros membros de sua família, sim. O livro O cozinheiro imperial, de 1840, assinado por R. C. M., traz receitas para cabeça e pé de porco, além de outras carnes – com a indicação de que sejam servidas a “altas personalidades”.

Hoje em dia não há apenas uma receita de feijoada. Pelo contrário, parece ser ainda um prato em construção, como afirmou nosso folclorista maior no final dos anos 1960. Há variações aqui e acolá, adaptações aos climas e produções locais. Para Câmara Cascudo, a feijoada não é um simples prato, mas sim um cardápio inteiro. No Rio Grande do Sul, como nos lembra o pesquisador Carlos Ditadi, ela é servida como prato de inverno. No Rio de Janeiro, vai à mesa de verão a verão, todas as sextas-feiras, dos botecos mais baratos aos restaurantes mais sofisticados. O que vale mesmo é a ocasião: uma comemoração, uma confraternização, a antecipação do fim-de-semana no centro financeiro carioca, ou até mesmo uma simples reunião de amigos no domingo.

Um cronista brasileiro da segunda metade do século XIX, França Júnior, chegou a dizer mesmo que a feijoada não era o prato em si, mas o festim, a patuscada, na qual comiam todo aquele feijão. Como na Feijoada completa de Chico Buarque: “Mulher / Você vai gostar / Tô levando uns amigos pra conversar”. O sabor e a ocasião, portanto, é que garantem o sucesso da feijoada. Além, é claro, de uma certa dose de predisposição histórica (ou mítica) para entendê-la e apreciá- la, como vêm fazendo os brasileiros ao longo dos séculos.

Bibliografia

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. 2a edição. Belo Horizonte; São Paulo: Ed. Itatiaia; Ed. da USP, 1983 (2 vols.).

DITADI, Carlos Augusto da Silva. “Feijoada completa”. in: Revista Gula. São Paulo, no 67, outubro de 1998.

DÓRIA, Carlos Alberto. “Culinária e alta cultura no Brasil”. in: Novos Rumos. Ano 16, no 34, 2001.

Rodrigo Elias

Fonte: www.mre.gov.br

A Missão Artística Francesa

A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA
Marcelo O. Uchoa*

INTRODUÇÃO

Quando em 1808 a família real se viu obrigada a vir para o Brasil, trouxe com ela, mesmo que inconscientemente, a semente da criação desta, que seria a precursora do ensino de arte no Brasil, a missão artística francesa de 1816. Composta por importantes nomes das artes francesas veio para ser o marco inicial do ensino de arte no Brasil. Por ser uma empreitada grandiosa formada por um número grande de profissionais, 18 no total e contando com artistas de reconhecido talento e merecida estima, sempre suscitou desconfianças sobre como realmente surgiu a idéia de sua criação e de que forma ocorreram as negociações entre os artistas e os representantes da Coroa portuguesa que culminaram com a partida para o Brasil deste grande número de imigrantes franceses. Foram os franceses realmente convidados pela coroa portuguesa para criarem uma escola de artes no Brasil? Ou, pelo contrário, diante da desestruturação da sociedade francesa abalada por fortes acontecimentos políticos e sociais, procuraram estes, sendo seu representante o senhor Lebreton, a coroa portuguesa e ofereceram seus préstimos e talentos?
A análise dos documentos relativos a missão francesa realizada por Morales de Los Rios e que serviram de base para o trabalho de Afonso de E. Taunay é, em muito de seus tópicos, bastante dúbia. Não é exposto de forma clara que o convite para os franceses partirem para o Brasil tenha sido feito pela Coroa portuguesa. Alguns documentos parecem dizer justamente o contrário. A própria postura de D. João VI, quando do intervalo de 150 dias entre a chegada dos artistas e a promulgação do decreto que criava a escola onde estes, que haviam vindo de tão longe, iriam trabalhar, parece reforçar esta hipótese. A atitude hostil e maléfica do Cônsul Maler parece, também, ter contribuído para esse trágico desfecho. Este texto, sucinto, apenas aponta alguns fatos relativos a vinda desta colônia de artistas franceses para o Brasil.

ANÁLISE HISTÓRICA

Há 192 anos chegou ao Brasil aquela que exerceria decisiva ação no surgimento e orientação da arte brasileira: A missão artística francesa de 1816; composta de pintores, escultores, arquitetos, gravadores e outros profissionais, vinha para dar um fim a uma época antididática e imprimir ao ensino artístico, realizado no Brasil, uma orientação pedagógica-metodológica. A iniciativa partira do Ministro de Estado Antônio de Araújo de Azevedo, o conde da barca, homem muito culto e amante das artes, que havia emigrado junto com D. João VI para o Brasil em 1808. Ansioso por incentivar o progresso do Brasil, propôs o conde da barca contratar um grupo de artistas e artífices na Europa para fundar no Rio de Janeiro uma escola ou instituto teórico-prático de aprendizagem artística e técnico-profissional. Através do embaixador extraordinário de Portugal, junto à corte de Luís XVIII, o marquês de Marialva, deu-se o início das negociações; Marialva, por intermédio de Alexandre Van Humboldt (1769-1850), naturalista alemão que estivera no Brasil, foi apresentado a Joaquim Lebreton (1760-1819) secretário recém demitido da classe ou academia de belas-artes do instituto da França, que seria, desde então, o organizador e chefe de tal empreitada. Os entendimentos para a vinda dos artistas ficaram a cargo do encarregado de negócios portugueses em Paris, Francisco José Maria de Brito, o Chevalier de Brito, como era conhecido; este adiantou a quantia de 10.000 mil francos-ouro para que, evitando as delongas naturais em negociações de tal natureza, a viagem logo se realizasse.
Com o dinheiro deveria Lebreton custear algumas passagens e adquirir, para transportar ao Brasil, um moinho completo movido por uma roda hidráulica, outro com sistema diferente e uma serra movida mecanicamente. Partiram do Havre de Grâce em 22 de janeiro de 1816 e desembarcaram, trazendo recomendações especiais da embaixada portuguesa em Paris, no Rio de Janeiro no mês de março do mesmo ano. Embora tenha chegado ao Rio de Janeiro no mês de março, o decreto que criava a Escola de Belas-artes só foi promulgado em 12 de agosto; criava este, uma Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios.



Grandjean de Montigny: pórtico da antiga Academia Imperial de Belas Artes, hoje no Jardim Botânico (fotografia reproduzida de MEYER, Claus e SECCHIN,Carlos. O Jardim de Acclimação, Rio de Janeiro: Cor Ação, 1983


Entre um acontecimento e outro transcorreram 150 dias. Por que houve um intervalo de tempo tão grande se estava tudo acertado com o príncipe regente, se este havia acolhido de forma tão entusiástica a idéia da criação do instituto? Se meses antes da chegada dos artistas ao Rio estavam-lhe os cargos a espera, e tomadas todas as providencias para o seu agasalho e conforto? Estas são algumas das perguntas que tentaremos responder em nosso humilde texto. Segundo Afonso de E. Taunay, “o impedimento deu-se exclusivamente devido à atitude hostil, violenta, a guerra sem tréguas movida contra Lebreton pelo diplomata que então representava a França na corte de D. João VI, o cônsul-geral Maler. Este, desejoso de mostrar a seu governo as arras de seu fervente Bourbonismo perseguiu o antigo Jacobino que a restauração acabava de expulsar dos seus empregos e do instituto de França.” Como sabemos a França passava por momentos muito difíceis. A convulsão social com a revolução e mais tarde a derrota do império Napoleônico, levou os franceses ao desastre militar e político ao mesmo tempo em que se viam obrigados a devolver o precioso acervo de obras de arte, acumuladas nos seus grandes centros de cultura.
Contra essa exigência tomaram partido vários de seus grandes mestres; entre estes, Joaquim Lebreton foi dos que protestaram com maior violência, contrariando frontalmente o interesse de Luís XVIII. Segundo Almeida Prado, advertira o imperador da Áustria, Meternich, a D. João, acerca do perigo representado pelos franceses numa terra nova e indefesa como a América. Contam também, que D. João era facilmente impressionável, traço do seu caráter que o levava professar aversão a novidades em geral e políticas em particular. Desta forma recomendou, ao que parece, vigiasse o cônsul da França os seus indesejáveis compatriotas.
A partir do restabelecimento da paz, começaram a aparecer no Rio, europeus partidários de doutrinas políticas mal vistas pelos momentâneos senhores do velho mundo. Os próprios componentes da missão artística incluíam-se no caso, pois concorriam a constituir núcleo ferozmente crítico e inconformado. Mas, Maler, estava determinado a impedir a instalação da colônia de franceses no Brasil.
Já mais de mês e meio antes da chegada dos artistas em janeiro de 1816 foi o cônsul, ao ministério, ter com o conde da barca, sobre o que tinha ouvido falar: a partida para o Rio de vários franceses em sua maioria artistas distintos, entre eles o Sr. Lebreton.
Quando da chegada dos artistas, procurou Maler saber qual seria a disposição de ânimo do rei, que ainda não vira os emigrados, e assim, concorreu à audiência real de seis da tarde de 28 de março, dois dias após a chegada dos franceses. Já nesta época, rompera também, hostilidades violentas contra Lebreton, indo representar a D. João VI contra a possível nomeação para um alto cargo, desse antigo republicano energúmeno, servidor fidelíssimo de Napoleão I e correligionário daqueles que haviam forçado sua majestade fidelíssima a embarcar para a América. Conseguiu Maler, convencer o marquês de Aguiar, ministro do reino, de que toda a razão lhe assistia, mas o conde da Barca idealizador do projeto, desde o primeiro dia ficara absolutamente simpático ao erudito, ao classicista profundo que era Lebreton.
D. João ficou hesitante, de um lado movido pelo compromisso assumido junto ao conde da Barca para a criação do instituto, do outro pela força dos argumentos de Maler. Diante desta hesitação, passaram-se os 150 dias. Após a promulgação do decreto de 12 de agosto de 1816, portanto, após a derrota dos objetivos de Maler, escreveu este, ao duque de Rechelieu, seu chefe, explicando o que havia ocorrido: ”o rei e o senhor marquês de Aguiar constantemente se opuseram a tal fundação (da academia), enquanto fosse o senhor Lebreton seu diretor, e o público, geralmente, aplaudiu esta atitude, não mostrando disposição mais favorável para com o ex-secretário”. Mas, conseguiu Barca, convencer o seu colega de ministério e a D. João VI e assim surgiu o decreto de 12 de agosto de 1816.
Entretanto, Maler continuou a perseguir tenazmente a Lebreton. Afirmava que de todo os franceses presentes no Brasil o que mais devia inspirar desconfianças ou pelo menos quem precisava ser vigiado mais atentamente era o senhor Lebreton, este, segundo Maler, recebia regularmente respostas e boletins ditados pelo mais cego e encarniçado dos espíritos partidários. “Embora não tenha indícios para acusar Lebreton de se corresponder com os franceses banidos e refugiados nos Estados Unidos, não hesito em acreditar em tal”, afirmava Maler. Sempre que podia apontava-o à vigilância e a antipatia do seu governo, e isto, até a morte de sua vitima, com absoluta falta de generosidade. Assim, percebemos a parcela de responsabilidade, pelo atraso no funcionamento da escola que segundo Afonso de E. Taunay caberia ao cônsul-geral Maler.


Nicolas Antoine Taunay – Morro de Santo Antonio

Mas Almeida Prado aprofundou-se mais na analise do ambiente cultural existente no Rio de Janeiro, quando da chegada dos franceses, e nos informa: “Os missionários franceses entrarão em desânimo causado incompreensão do meio. D. João consentira em posar para Debret, mas continuou fiel aos arquitetos portugueses nas obras da Quinta da boa vista e da fazenda de santa cruz, e se acaso recorria a um profissional estrangeiro, visto a incapacidade dos seus protegidos, chamava um medíocre mestre de obras inglês em vez do consagrado arquiteto Grandjean de Montigny.”
Da mesma forma os personagens da Corte, pensionados pelo tesouro, muito pouco encomendavam aos franceses. “Tampouco, os particulares brasileiros ou portugueses radicados no Rio, os encarregavam de lhes planejar habitações”. Noticiava Maler, em comunicação oficial, a construção de mais de 600 residências na cidade e 150 chácaras suburbanas no período de 1800 a 1818, sem alusão a obras particulares de elementos franceses, que estavam no Rio desde 1816. O próprio conde da Barca, protetor do grupo, preferia reformar casas velhas a construir novas com a ajuda dos seus protegidos. Vemos assim, a nova burguesia e a velha aristocracia adotarem diretrizes artísticas emanadas de desafeto com os artistas franceses. Por outro lado, no Rio de Janeiro antes da chegada da missão, já se ensinava desenho na Academia Real dos Guardas-Marinha, na Real Academia Militar e na aula regia de Manoel Dias de Oliveira; segundo Catarina Knychala, “as oficinas de gravura já estavam em pleno funcionamento na impressão régia, no arquivo militar e na casa da moeda. Portanto, percebe-se que mesmo anterior à chegada da missão já havia se estabelecido um ambiente artístico na cidade do Rio de Janeiro”.
Percebemos, pelo relato desses dois estudiosos que não foi somente o cônsul-geral francês, Maler, o responsável pelo descaso para com os artistas franceses. Na verdade a falta de correspondência do meio, que não compreendia a missão artística, e por ela não era compreendida, foi das maiores causas do escasso resultado que deu o longo tempo da sua estada no Rio de Janeiro. Em 21 de junho de 1817, faleceu o conde da Barca, o grande protetor da colônia francesa no Brasil, sem que o instituto, já existente por determinação do decreto de 12 de agosto, funcionasse. Com a morte do conde da Barca as obras de construção do prédio do instituto, foram paralisadas por anos. Esse desânimo, fez com que Joaquim Lebreton recolha-se numa chácara, no bairro do flamengo, onde vem a falecer em 09 de junho de 1819. Com a morte de Lebreton ficou vago o cargo de diretor do instituto.
A 12 de outubro de 1820, o ministro Targini, barão e mais tarde visconde de São Lourenço, substituto do conde da Barca, promulgou o decreto que determinava a criação da Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Assim como a primeira, esta academia não chegou a funcionar. Outro decreto determinando que, com o nome de “Academia de Artes”, fosse iniciada para ministrar as aulas de desenho, pintura, escultura e gravura foi promulgado em 23 de novembro de 1820. Através deste, ficou determinado que o cargo de diretor da academia seria dado a um português, Henrique José da Silva; segundo Afonso de E. Taunay, um pintor medíocre vindo de Lisboa, e protegido do ministro Targini. O cargo de secretário passaria para outro português, o padre Luís Rafael Soyé. Aqui, surge outro personagem que contribuiu de forma decisiva para o Malogro da Missão Artística Francesa: o pintor lusitano Henrique José da Silva, que passa a ser o diretor da academia.
Com a posse de dois lusitanos para os cargos de maior destaque da academia, começou a surgir descontentamento entre os artistas franceses e desavenças com o diretor. Isto fez com que Henrique José da Silva procurasse demonstrar que a colônia de artistas franceses não passava de mero agrupamento de aves de arribação e que jamais convocada por inspiração régia como alardeavam, pois caso tivessem sido convocados o decreto seria imediato, logo após a chegada dos artistas ao Rio de Janeiro, e não 150 dias após seu desembarque.
Segundo Henrique José da Silva a existência de uma colônia francesa de artistas não foi pré-determinada, procurando provar que os artistas, ou missionários, ou professores franceses, vieram para o Brasil sem compromisso algum do governo real, isto é, dirigiram-se espontaneamente de lá para cá.
Ana Mae Barbosa, no seu livro Arte Educação no Brasil, afirma: “o próprio D. João VI procurou fugir à responsabilidade pública de ter oficialmente patrocinado a vinda dos artistas franceses através das autoridades competentes em Paris, dando a entender, no decreto com o qual criou a Academia Real de Ciências, Artes e Ofícios, decreto de 12 de agosto de 1816, que visava aproveitar alguns estrangeiros beneméritos que procuravam a sua proteção”. Aliás, a atitude sempre ambígua de D. João VI frente aos problemas da missão parece ter sido gerada em grande parte pelas pressões exercidas sobre ele pelo cônsul geral francês no Brasil, o cônsul Maler.
A análise dos documentos diplomáticos portugueses relativos a vinda dos artistas franceses para o Brasil em 1816, análise essa, citada por Afonso de E. Taunay, não permite esclarecer as dúvidas levantadas pelo pintor lusitano. Em oficio de 27 de agosto de 1815, oficio n. 17, o Chevalier de Brito relatava ao marquês de Aguiar, ministro de estado. “Deu-se grande emigração de artistas e intelectuais e de tal circunstâncias aproveitaram vários dos soberanos vencedores a fim de angariarem franceses eminentes para as suas terras”.
Neste mesmo ofício eram relatadas ocorrências curiosas. Segundo Chevalier de Brito, o senhor Lebreton, comunicara ao embaixador, o marquês de Marialva, “que alguns artistas de merecimento e moralidade conhecida, desejavam estabelecer-se no Brasil, mas não tendo meio para custear as passagens e as despesas de instalação, esperavam obter do governo lusitano alguma ajuda de custo e a certeza real”. Como percebemos o documento não é esclarecedor se havia Lebreton recebido à incumbência de organizar um grupo de artistas para se dirigirem ao Brasil, ou se estavam estes, os artistas, procurando refugio e abrigo em terras mais calmas e tranqüilas como o Brasil. Um pouco mais a frente dizia Brito que, graças ao estado deplorável em que ficara a França depois de Waterloo, diariamente lhe pediam franceses para imigrar, “gente que suspirava gozar de repouso que parecia estar ainda distante da velha Europa”. Dizia haver entre os imigrantes “sujeitos eminentes” e assim, pedia instrução para agir.
Neste mesmo oficio, Morales de Los Rios, citado por Afonso Taunay, diz que “a resposta de Lebreton” causou excelente impressão. Em 09 de outubro de 1815, pela Segunda vez oficiava o Chevalier de Brito ao marquês de Aguiar, remetendo-lhe o original da ”resposta” de Lebreton, sobre a fundação de uma escola de belas-artes no Rio de Janeiro e dando-lhe informações particulares acerca dos artistas que desejavam estabelecer-se junto à corte de D. João VI. Novamente os termos utilizados no oficio, não permitem esclarecer dúvidas sobre em que ordem aconteceram os fatos: Foi Lebreton procurado com o pedido de organizar um grupo de artistas e artífices para formar uma missão com o objetivo de iniciar e fomentar o ensino artístico no Brasil ? ou teria a idéia da partida para o Brasil de uma colônia de artistas franceses, em 1816, partido de Lebreton?.
Também é possível, e muito mais provável, que Lebreton haja sabido de qualquer plano do governo português acerca de uma fundação artística, no Rio de Janeiro, em que pudesse encaixar-se e, assim, tenha ido oferecer os préstimos ao embaixador. Em 09 de dezembro de 1815, Francisco de Brito, respondendo individualmente a proposta de Lebreton escreve: “continuo a espera da resposta de meu governo. Não tenho instruções nem posso adiantar-me. O príncipe regente de Portugal certamente receberia bem os artistas”. E completava dizendo: “Assim, senhor (Lebreton) nesta empresa, que é toda vossa, espero reconheçais que nada vos dei, nem promessa, assim como nenhum compromisso tomei em nome do meu governo”.
Por mais ambíguos que possam ser os documentos, incluindo o próprio decreto de 12 de agosto de 1816, parece ficar claro que houve sim, a convocação desses artistas ao Brasil. Na verdade havia se organizado uma missão completa, subdividida em duas partes: Um quadro superior e artístico, composto por um chefe, dois pintores, um escultor, um arquiteto, um gravador, um compositor e organista e um engenheiro mecânico. Joachim Lebreton, chefe. Jean Baptiste Debret, pintor histórico. Nicolas Antoine Taunay, pintor de paisagens. Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto. Auguste Marie Taunay, escultor. Charles Simon Pradier, gravador. Segismund Neukomm, compositor, organista e mestre de capela. François Ovide, engenheiro mecânico.
Um quadro complementar ou de artes mecânicas, composto por um mestre-serralheiro, um mestre ferreiro perito em construção naval, dois carpinteiros fabricantes de carros, surradores e curtidores de peles. Jean Baptiste Level, mestre serralheiro e perito em construção naval. Pilite, surrador de peles e curtidor. Fabre, curtidor. Nicolas Magliori Enout, serralheiro. Louis Joseph Roy e seu filho Hippolyte, carpinteiros e fabricantes de carros. Completavam o grupo, mais três assistentes, sendo um, de um dos pintores, e os outros dois do arquiteto Grandjean de Montigny. Auxiliares: Charles Louis Levasseur e Louis Simphorier Meunié, auxiliares de Grandjean de Montigny. François Bonrepos, ajudante de Auguste Marie Taunay.
Como secretario da Missão foi contratado Pierre Dillon. Percebemos que havia um especialista para cada setor de ensino, acompanhados de ajudantes, também especializados. Somente no segundo semestre de 1823, após numerosos pedidos feitos a D. Pedro I, consegue Debret, as chaves de um atelier para executar a tela que pretendia representar a coroação imperial e instalar o seu curso livre de pintura.
Em 1824, o imperador, acompanhado do seu gabinete, visitou a exposição dos alunos de Debret, resolvendo, instalar a Academia de Belas Artes. A abertura solene da academia, marcada para o dia 19 de outubro de 1826, só se realizou, entretanto, a 05 de novembro, data do aniversário da chegada de D. Leopoldina ao Brasil. Teve a Missão decisiva ação no surgimento e orientação da arte brasileira. Imprimiu ao ensino artístico orientação pedagógico-metodológica. Foi o fim de uma época antididática e início de uma com caráter didático.


* Negros serradores de tábuas, de Jean Baptiste Debret. In. O Brasil de Debret, Belo Horizonte, Vila Rica Editoras Reunidas, p. 40.


Não nos cabe julgar se foi positiva ou negativa a vinda de tão ilustres personagens para realizarem tão pioneira tarefa em terras brasileiras tampouco, procuramos esclarecer as duvidas que permeiam sua vinda e posterior permanência no Brasil, mas tão somente analisar, com a ajuda de alguns pesquisadores, como ocorreram os fatos que conduziram ao desfecho desta que representa o marco inicial de nossa educação em artes.

Bibliografia consultada

Taunay, Afonso de E. – A Missão Artística de 1816 – Brasília Editora Universidade de Brasília, 1983.
Bittencourt, Gean Maria. – A Missão Artística Francesa de 1816, Petrópolis 2 ed. Museu de Armas Ferreira da Cunha, 1967.
Prado, J.F. de Almeida. – O Malôgro da Missão artística. in: História da Formação da Sociedade Brasileira, SP. Companhia Editora Nacional, 1968 – P. (189-213).
General, A. de Lyra Tavares – Brasil França – Ao longo de cinco séculos, Rio de Janeiro - RJ 1979. Editora Biblioteca do Exercito.
Barbosa, Ana T. B. – Arte Educação no Brasil- Das Origens ao Modernismo – São Paulo 1978. Editora Perspectiva.
Knychala, Catarina Helena – O Livro de Arte Brasileiro. Editora Presença ( Pró – Memória Inst. Nac. do Livro 1808-1980 ), Rio de Janeiro – RJ , 1983.

JEAN-BAPTISTE DEBRET

(Paris, França, 1768 - 1848)

Jean-Baptiste Debret começou seus estudos de arte acompanhando o chefe da escola neoclássica francesa, o pintor Jacques-Louis David, seu primo, em uma viagem a Roma, na época em que este último pintava a sua célebre tela O Juramento dos Horácios. Retornando da Itália, freqüentou a École des Beaux-Arts de Paris, mas, em decorrência da Revolução Francesa, afastou-se da pintura durante cinco anos. Voltou à ativa, conquistando em 1798 um prêmio no Salon de Paris, no qual mais tarde exporia por diversas vezes. Em 1816, foi convidado por Joaquim Lebreton para integrar a chamada Missão Artística Francesa, que aportou no Rio de Janeiro, então sede da corte portuguesa, aqui instalada em 1808 com a vinda de Dom João VI e da família real.

Meu ateliê do Catumbi no Rio de Janeiro - 1816

No tempo em que morou no Brasil, Debret participou da fundação da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), realizou retratos da família Imperial, instalou uma escola particular de pintura e foi o responsável pelo primeiro salão de arte brasileiro, realizado em 1829. Com toda essa atividade, não é de se admirar que tenha se exposto à hostilidade dos artistas portugueses que então disputavam com os franceses o controle do sistema de ensino artístico no Rio de Janeiro.

Negros vendedores de aves - 1823

Debret acabou por retornar à França em 1831 e lá empreendeu a publicação de sua "Voyage pittoresque et historique au Brésil", edição em três volumes que vieram a lume, respectivamente, em 1834, 1835 e 1839. A respeito desse trabalho, escreveu Oliveira Lima, no seu clássico livro sobre Dom João VI: “percorrendo-se a formosa obra de Debret e encontrando relembradas nas suas curiosas litografias as grandes cerimônias da Corte do Rio de Janeiro, no primeiro quartel do século XIX, aclamações, funerais, casamentos, vê-se graficamente onde e como se constituiu o sentimento nacional da terra”. No Brasil, a obra de Debret integra importantes acervos, como os da Biblioteca Nacional, do Museu Nacional de Belas Artes, do Museu da Chácara do Céu e do Instituto Moreira Salles, que possui hoje o Highcliffe Album, organizado por Charles Landseer.

Os refrescos do Largo do Palácio

Fonte: www.dezenovevinte.net

1768 - 1848

Jean Baptiste Debret(Paris, 18 de Abril de 1768 — Paris, 28 de Junho de 1848) foi um artista francês que produziu muitas litografias valiosas que descrevem os povos do Brasil, tendo a maioria delas sido reunidas em sua obra, finalizada apenas quando Debret voltou a França, intitulada Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Era pintor, desenhista e professor, veio para o Brasil como membro da Missão Artística Francesa, criada para fundar, no Rio de Janeiro, uma academia de artes e ofícios, que se tornaria a Academia Imperial de Belas Artes.

Em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Debret retratou todos os costumes sociais e relações de classe da corte brasileira no período de 1816 a 1831 e os usos e costumes das tribos indígenas.

Algumas de suas obras como a bandeira do Brasil serviu de estrutura para definir as cores e as formas geométricas da atual bandeira republicana apresentada aos brasileiros em 19 de novembro de 1889.

INÍCIO DA VIDA

Filho de Jacques Debret, funcionário do parlamento francês e estudioso de história natural e arte, e irmão de François Debret (nascido em 1777), arquiteto, membro do Instituto de França. Era parente (primo) de Jacques-Louis David (1748-1825), líder da escola neoclássica francesa. Estudou no Lycée Louis-le-Grand. Foi aluno da Escola de Belas Artes de Paris, na classe de Jacques-Louis David. Também chegaria, como seu irmão François, ao Instituto de França. Obteve em 1791 o segundo prêmio de Roma, com a tela Régulus voltando a Cartago.

A Revolução Francesa necessitava de engenheiros que entendessem de fortificações; foram, então, escolhidos alguns dos alunos mais brilhantes para o curso de Engenharia. Debret foi um dos escolhidos, tendo estudado engenharia por cinco anos. Contudo, apesar da carreira de engenheiro, Debret voltaria à pintura. Expôs no salon de 1798 um quadro com figuras de tamanho natural – Le général méssénien Aristomène delivré par une jeune fille, com o qual ganhou um segundo prêmio. Expõe em 1804, no salon, o quadro O médico Esístrato descobrindo a causa da moléstia do jovem Antíoco.

Em 1805 muda a temática de suas pinturas, expondo - novamente no salon - Napoleão presta homenagem à coragem infeliz, que recebeu menção honrosa do Instituto de França. Debret finalmente encontrara-se com o que seria o tema principal de suas obras enquanto na França: Napoleão. Expôs no salon em 1808 o quadro Napoleão em Tilsitt condecorando com a Legião de Honra um soldado russo. Em 1810, um novo “tributo” à Napoleão fora criado – Napoleão falando às tropas; seguido por A primeira distribuição de cruzes da Legião de Honra na Igreja dos Inválidos, de 1812. Não por acaso, Napoleão era um verdadeiro mecenas para artistas como Debret e David, apoiando – inclusive financiando – a disseminação da arte neoclássica.

A VINDA PARA O BRASIL: A MISSÃO FRANCESA DE 1816

A derrota de Napoleão, em 1815, foi um golpe duro aos artistas neoclássicos, que perderam o principal pilar que sustentava – financeira e ideologicamente - a arte neoclássica. Isto, somado com a perda do filho único, de apenas dezenove anos, abalara muito Debret. No mesmo período, ele e o arquiteto Grandjean de Montigny foram convidados à participar da missão de artistas franceses que rumava para a Rússia a pedido do Czar Alexandre I da Rússia. Mas, paralelamente, se aprontava em Paris a missão ao Brasil, por solicitação de Dom João VI. Debret - assim como Grandjean de Montigny - escolheu o Brasil. Embarcou no Havre a 22 de janeiro de 1816. Calpe, o veleiro norte-americano que trazia a Missão, aportou em território brasileiro em 26 de março de 1816. A missão foi planejada pelo Conde da Barca, que escrevera ao Marquês de Marialva, embaixador de Portugal em Paris, pedindo-lhe que cuidasse da vinda de uma missão artística, missão que, entre outros objetivos, idealizaria e organizaria a criação de uma Academia de Belas Artes.

Em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, Debret revela sua profunda relação pessoal e emocional com o Brasil, adquirida nos 15 anos em que viveu no país. Em 1831 o pintor volta à França alegando problemas de saúde. Diferente do que Debret alegara, acredita-se em outras duas hipóteses para a sua volta: Debret talvez queria voltar para reencontrar-se com seus familiares, além de organizar o primeiro volume de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Já outra hipótese sugere que, como em 1831 Debret já contava com 63 anos, e a obra seria uma espécie de "trabalho para aposentadoria", visto que a produção desse tipo de obra (almanaques de viajantes - livros com textos acompanhando imagens) fazia bastante sucesso no início do séc. XIX - quando Debret partiu para o Brasil - e poderia render a Debret uma boa aposentadoria (o que de qualquer forma não foi o que acabou acontecendo: quando da volta de Debret à França, esse tipo de publicação já não fazia o mesmo sucesso que anteriormente, tendo a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil causado pouco impacto na França).

Debret tenta mostrar aos leitores - em especial os europeus - um panorama que extrapolasse a simples visão de um país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Mais do que isso, ele tentou criar uma obra histórica; tentou mostrar com minuciosos detalhes e cuidados a formação - especialmente no sentido cultural - do povo e da nação brasileira; procurou resgatar particularidades do país e do povo brasileiro, na tentativa de representar e preservar o passado do povo, não se limitando apenas a questões políticas, mas também a religião, cultura e costumes dos homens no Brasil. Por estas razões, a obra de Debret é considerada atualmente como uma grande contribuição para o Brasil, e é freqüentemente analisada por historiadores como uma representação (um tanto quanto realista, apesar de não ser perfeita) do cotidiano e sociedade do Brasil – em especial, da vida no Rio de Janeiro – de meados do século XIX.

Publicada em Paris, entre 1834 e 1839, sob o título Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, ou séjour d´un artiste française au Brésil, depuis 1816 jusqu´en en 1831 inclusivement, a obra é composta de 153 pranchas, acompanhadas de textos que elucidam cada retrato. Tal estilo de obra (textos descritivos acompanhando as imagens) não era muito comum entre os artistas que vinham ao Brasil para retratar o país, o que aumenta ainda mais o destaque e importância de Debret: a obra não é considerada tão importante apenas por aspectos artísticos, mas justamente pela combinação de interesse em retratar o cotidiano, com a presença de textos descrevendo as litografias. Preocupando-se com o sentido dos textos, Debret os compara com as ilustrações contidas em seus trabalhos, e é por isso que o aspecto historiográfico é colocado em primeiro plano em relação ao aspecto propriamente artístico.

O próprio título da obra de Debret apresenta este certo compromisso que ele tentou adquirir nas representações e descrições do Brasil. O uso da palavra “pitoresca” no titulo Viagem Pitoresca a Histórica ao Brasil denota uma certa precisão, habilidade e talento; características que buscou em suas representações. Viagem Pitoresca a Histórica ao Brasil pode ser considerada uma obra em estilo europeu, feita para europeus, visto que o estilo de livro (almanaque) fazia um certo sucesso na Europa na época.

O livro é dividido em 3 tomos: O primeiro é de 1834, e estão representados índios, aspectos da mata brasileira e da vegetação nativa em geral. O segundo tomo é de 1835, e concentra-se na representação dos escravos negros, no pequeno trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o tomo terceiro, de 1839, trata-se de cenas do cotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

NEOCLASSICISMO, ROMANTISMO E A OBRA DE DEBRET

Apesar de ser um artista de formação neoclássica – seu tutor foi o mestre do neoclassicismo, Jacques-Louis David – Debret (ao menos ao se analisar sua produção em Viagem Pitoresca a Histórica ao Brasil), em alguns aspectos, pode ser considerado um artista de transição entre o neoclassicismo e o romantismo.

As representações dos índios – totalmente idealizados; fortes, com traços bem definidos e em cenas heróicas – são aspectos claros do neoclassicismo. Contudo, ao se analisar os textos que acompanham as imagens, são notados aspectos não neoclássicos, mas românticos. O romantismo tem como características a oposição ao racionalismo e ao rigor neoclássico. Caracteriza-se por defender a liberdade de criação e privilegiar a emoção. As obras românticas valorizam o individualismo, o sofrimento amoroso, a religiosidade cristã, a natureza, os temas nacionais e o passado. Além disso, uma característica essencial do romantismo – que o diferencia do neoclassicismo -, característica esta, notada nos textos de Debret, é a relação que o artista estabelece com as cenas que representa: o neoclássico é apenas um espelho do que observa, tentando fazer uma representação exata, daquilo que vê. já o romântico, tenta "jogar uma luz" no que observa – o romântico faz uma interpretação daquilo que observa, e é justamente isto que Debret faz nos textos que acompanham as aquarelas: interpretações. Nas aquarelas, Debret era o “espelho” do que observava: este é o Debret com princípios neoclássicos. Nos textos, ele jogava uma luz e interpretava o que via: este é o Debret com princípios românticos.

Suas aquarelas pitorescas possuem o caráter típico das representações feitas por viajantes em busca de paisagens e de exotismo, mas sua arte oficial conserva o caráter solene do neoclassicismo próprio do grupo de artistas da França napoleônica.

Diz um crítico de arte francês: « L’importance majeure de l’oeuvre de Debret, outre la valeur d’un enseignement qui allait bientôt porter ses fruits, résida paradoxalement dans sa capacité d’enregistrer cela même qui était sur le point de disparaître. Ce qui n’a pas empêché le peintre d’histoire de mettre en scène deux couronnements et de représenter dans ses aquarelles la première cour d’une dynastie américaine. » Ou seja: «A maior importância de sua obra, além do valor de um ensino que logo daria frutos, residiu paradoxalmente em sua capacidade de registrar o que estava prestes a desaparecer. O que não impediu o pintor de História de pôr em cena duas coroações e de representar em suas aquarelas a primeira corte de uma dinastia americana.»

DEBRET, DIDEROT E O ILUMINISMO

Na obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pode ser observada uma forte influência do iluminismo francês, principalmente da Enciclopédia de Denis Diderot, pois Debret não se prende apenas à representação de batalhas, cenas importantes e feitos grandiosos do país. Debret, como já dito anteriormente, representa cenas e características do cotidiano e da sociedade brasileira, como casas, ocas de índios, rostos de pessoas (para tentar mostrar as características do povo brasileiro). Ele procura representar o caráter do povo; seus costumes, festas populares (e da corte), relações de trabalho e utensílios e ferramentas utilizadas pelo povo. Essa proposta de certa forma enciclopédica, de conseguir acumular em livros o máximo de informação e conhecimento acerca de determinado assunto, faz parte dos ideais de diversos iluministas da França do final do século XVIII e início do século XIX – entre eles, o caso mais famoso talvez seja o de Diderot e sua Enciclopédia (l'Encyclopédie, no original), obra que com certeza inspirou Debret acerca de suas representações do Brasil em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

DEBRET: PLAGIADOR?

Joueur d'Uruncungo.No tomo I de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, dentre as inúmeras representações de indígenas. Algumas chamam a atenção: eles são representados com pintura corporais muito semelhantes (para não dizer idênticas) às de uma imagem de índios de uma tribo de índios norte-americanos, presente em uma publicação sob o título de Voyages and travels en various parts of the world: during the years 1803, 1804, 1805, 1806, and 1807, feita décadas antes de Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, pelo naturalista da antiga Prússia, Georg Heinrich von Langsdorff.

A semelhança da pintura de Debret, intitulada Dança de Selvagens da Missão de São José, com a de Langsdorff, intitulada Uma Dança Indígena na Missão de São José em Nova Califórnia é tal que chega a levantar a dúvida entre alguns historiadores: Debret realmente viajou pelo Brasil, como é comumente afirmado, ou teria permanecido apenas nas imediações da cidade de Rio de Janeiro? alguns pesquisadores afirmam que tal hipótese seria verdadeira, e as representações de índios feitas por Debret – como supostamente a citada neste caso comparado com Langsdorff – seriam cópias de representações de outros europeus que participaram de expedições naturalistas. Para reforçar ainda mais esta hipótese, deve-se levar em consideração que muitos utensílios e ferramentas representadas por Debret, já se encontravam em museus de História Natural da época; locais que ele poderia ter visitado sem problema algum.

ENCONTRO EM PARIS

Diz um livro francês: «Après son abdication, D. Pedro 1er et Debret se rencontrèrent par hasard au coin d’une rue de Paris. L’ancien empereur et son peintre d’histoire, le protagoniste et le metteur en scène de l’Empire du Brésil, y auraient fait échange de politesses. Le premier aurait civilement offert sa maison de Paris à l’artiste qu’il avait naguère décoré de l’Ordre du Christ en le traitant d’homme vertueux.» O que se traduz - «Depois da abdicação, D. Pedro I e Debret se encontaram por acaso numa esquina em Paris. O antigo imperador e seu pintor de História, o protagonista e o ´decorador´ do Império do Brasil, trocaram gentilezas. O primeiro, civilmente, ofereceu sua casa em Paris ao artista que antigamente condecorara com a Ordem de Cristo e a quem chamara homem virtuoso.»

Fonte: pt.wikipedia.org