As capas do disco podem ser interessantes fontes de reflexão histórica em sala de aula.
O uso de canções para falar sobre determinada época é ferramenta geralmente muito útil na realização de uma atividade onde o professor de História busca refletir sobre as idéias e perspectivas recorrentes em um período. As letras de música, sem dúvida, são documentos que enriquecem enormemente a compreensão e as mudanças ao longo do tempo. Afinal de contas, o artista mostra muito dos valores do seu tempo no momento em que compõe uma canção ou escreve uma letra.
No entanto, a compreensão de uma época e de seus artistas também pode ser feita por meio de um outro interessante recurso muitas vezes ignorado pelos educadores. As capas de disco também podem nos revelar que maneira, por exemplo, um artista procura sintetizar os valores que acredita ou, até mesmo, pode nos mostrar de que maneira uma determinada classe artística foi interpretada por seus ouvintes, admiradores e críticos musicais.
Um interessante exemplo desse tipo de atividade pode ser feito em uma aula que discuta a questão da arte durante a ditadura militar no Brasil. Nesse período, os militares empreenderam um regime de caráter antidemocrático e autoritário onde um artista nem sempre poderia falar o que pensava, muito menos, criticar os políticos ou o governo. Alguns artistas, indignados com essa situação, buscavam compor canções onde sutilmente pudessem protestar contra a censura dos órgãos policias ou denunciar os problemas dessa época.
A ação contestadora de tais artistas foi ao longo do tempo sendo reconhecida e ocupou lugar cativo nas prateleiras de muitos brasileiros também inconformados com essa mesma experiência vivida. No entanto, todo esse engajamento político também criou outro tipo de “censura interna” onde os artistas que não denunciavam os problemas de sua época eram julgados como alienados, subservientes ou simpáticos a toda a repressão instituída pelos militares daquela época.
Em geral, esses artistas que não se preocupavam com uma fidelização à temática nacional e política não eram necessariamente “ruins”. Muitos deles buscavam integrar outros temas do cotidiano e se mostravam abertos a qualquer influência musical que lhes agradasse. Em certo sentido, podemos vislumbrar nesses artistas uma grande preocupação com sua liberdade estética. Liberdade essa que, algumas vezes, também esbarrava nos crivos da censura militar.
O cantor Wilson Simonal era um exemplo claro desse tipo de situação. Esse cantor teve, durante a sua trajetória artística, relações próximas com diferentes personalidades do campo artístico da época. Sem se preocupar em apenas denunciar as injustiças do mundo a sua volta, procurava popularizar suas canções empreendendo uma aproximação estética com diferentes gêneros musicais nacionais e estrangeiros. No entanto, esse desprendimento político lhe custou caro.
Na época da ditadura, as delações contra as pessoas que se opunham ao regime era prática comum. Em determinada época, certo boato dava conta de que Wilson Simonal teria delatado alguns artistas e militantes políticos às autoridades militares. Essa história nunca chegou a ser comprovada. No entanto, o fato dele não ter uma obra voltada às questões políticas acabou dando suporte às suspeitas que lhe recaiam.
Para demonstrar como esse julgamento estético acabava se confundindo com questões políticas da época, o professor pode analisar junto com os alunos uma capa de disco do próprio Wilson Simonal. Nesse caso, sugiro um disco de Simonal produzido em 1970 que contava com algumas características passíveis de análise.
Na capa do disco, a postura despojada do cantor parecia não condizer com aqueles tempos em que as liberdades individuais eram tolhidas pelo regime. A alegria de Simonal era ainda incrementada por uma camisa com estampas coloridas e um cordão dourado que davam ainda mais notoriedade visual ao cantor. Outro elemento de interessante valor são os dois selos que se encontram no canto superior direito.
No primeiro, temos imprimido o patrocínio de uma grande empresa que aparentemente patrocina a produção do disco de Simonal em troca de um espaço publicitário na capa do disco. No outro, temos a logomarca de um importante evento musical patrocinado por uma das maiores emissoras de televisão do momento.
Todos os elementos aqui analisados são claramente contrários e mal vistos por aqueles artistas que militavam por meio de suas obras. A alegria, o patrocínio de uma multinacional estrangeira e a aproximação dos grandes meios de comunicação da época fizeram com que muitos julgassem negativamente as suas obras para colocar acima das mesmas questões político-ideológicas daquele período.
A pecha de “dedo duro” que recaiu sobre Wilson Simonal mobilizou diversos artistas, produtores e críticos a fecharem as portas para esse cantor. Durante muito tempo, não recebeu convites para gravar ou foi prestigiado em eventos onde seu legado artístico fosse reverenciado. Dessa maneira, vemos como as idéias de uma época acabaram se voltando contra sua carreira.
Esse exemplo aqui trabalhado, de fato, somente ilustra uma possibilidade de trabalho com esse tipo de documento histórico. Ao falar sobre diferentes momentos da história contemporânea brasileira, o professor pode empreender outras desconstruções ou análises comparativas em que a “simples” capa do disco fala sobre diferentes problemas de uma época. Mais uma possibilidade de trazer imagens para sala de aula.
Por Rainer Sousa
Fonte: http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/a-historia-pelos-discos.htm