Chico Xavier durante sessão de psicografia: gesto de tapar os olhos com uma das mãos se tornou uma marca do médium
Por Lair Faria
Em 1980, por iniciativa de Augusto César Vanucci, na época diretor da TV Globo, brasileiros e brasileiras de diferentes orientações religiosas engajaram-se na coleta de assinaturas que permitissem o lançamento da candidatura de Francisco Cândido Xavier, mais conhecido como Chico Xavier, ao Prêmio Nobel da Paz do ano seguinte. O esforço foi bem-sucedido: cerca de 2 milhões de pessoas atenderam ao pedido e o “médium” teve seu nome aceito entre os indicados. Contudo, frustrando as expectativas gerais, o brasileiro não foi o escolhido para a condecoração, perdendo, ele e todos os outros candidatos, para uma instituição: o Alto-Comissariado da ONU para Refugiados.
A derrota de Chico Xavier, porém, não abalou a admiração que por ele se nutria nas mais distintas camadas sociais do país. Até o fim de sua vida, o mineiro da pequena cidade de Pedro Leopoldo gozou de enorme popularidade. Dentro e fora dos arraiais espiritistas, com pouquíssimas exceções, era tido como um homem santo. Sua morte – ou, como denominam os espíritas, sua desencarnação” – comoveu a nação e cerca de 150 mil pessoas dirigiram-se a Uberaba para se despedir do líder espírita.
Seu falecimento, em 30 de junho de 2002, calhou de coincidir com a conquista do pentacampeonato de futebol pela seleção brasileira. Tal coincidência, entre várias outras em sua vida, serviu para reforçar a mística em torno do “médium”. Com efeito, aqueles mais próximos a ele e supostamente detentores de informações privilegiadas, aproveitando-se do clima de tristeza que tomou conta da “maior nação espírita do mundo”, logo declararam que Chico Xavier sempre dissera que gostaria de morrer quando o Brasil estivesse alegre.
Não tardou para que se levantasse a suspeita, entre adeptos e simpatizantes do espiritismo, de que a data não havia sido mera casualidade. Consoante o imaginário religioso espírita, os espíritos dos mortos praticamente controlam os vivos, ainda que respeitando a liberdade de agir dos “encarnados”. Assim, para acreditar que Chico Xavier teve sua “desencarnação” programada não foi preciso muito esforço.
A FORMAÇÃO DO MITO
Convém ter clareza de que, desde suas primeiras aparições como mediador entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, entrou em curso a formação do mito Chico Xavier. Assim, cada episódio de sua vida, por mais corriqueiro que fosse, ia sendo revestido, nas narrativas construídas em torno dele, de uma aura de pureza, santidade, simplicidade, humildade, sublimação. E de submissão aos ditames dos guias espirituais. Nesse sentido, um elemento marcante na construção do mito Chico Xavier foi a resignação com que o medianeiro do além suportava os reveses da vida. Quer fossem as enfermidades do corpo – que a hipótese da reencarnação ajudava a entender e, por extensão, confortava –, quer fossem as investidas caluniosas e mal-intencionadas dos vivos ou de “espíritos das trevas”.
Como mito, portanto, Chico Xavier viu-se transformado em modelo, em paradigma de “espírita-cristão”. Seu modo sereno de falar, sua maneira de vestir-se, sua postura nas sessões espíritas em que alegava receber mensagens dos espíritos dos mortos – uma das mãos cobrindo os olhos –, seu envolvimento direto em ações de assistencialismo, sua relação com as autoridades políticas, instauraram um tipo ideal de fiel espírita.
Nem depois de morto Chico Xavier deixou de fornecer elementos para a consolidação do mito. Em seguida à sua “desencarnação”, os fiéis espíritas foram presenteados com relatos sobre sua chegada ao “plano espiritual”. Sobressaindo entre variedade de detalhes fornecidos por supostos diferentes médiuns, dois elementos comuns: a incalculável multidão de almas a recebê-lo como forma de gratidão e o encontro pessoal com ninguém menos que Jesus de Nazaré, coroando, assim, sua existência de “serviços prestados à causa do espiritismo”.
29.1.15
"Além da vida": Chico Xavier e a construção do espiritismo à brasileira
Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/especial_alem_da_vida_chico_xavier_e_a_construcao_do_espiritismo_a_brasileira.html
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