29.1.15

O atentado que (quase) matou Hitler


No dia 8 de novembro de 1939, o já tradicional discurso do Führer em uma cervejaria seria mais curto do que o normal, fato que pouparia sua vida


Autor do atentado, Georg Elser agiu sozinho por motivos políticos e religiosos um tanto vagos

Por Rémi Kauffer

INÍCIO DA NOITE

Pouco depois das 20 horas, Hitler chega à Bürgerbräukeller, a grande cervejaria de Munique onde costuma comemorar, a cada 8 de novembro, com os veteranos do Partido Nazista, o putsch fracassado de 1923. Praguejando contra seus generais que, segundo ele, demonstram má vontade no que diz respeito à “sua” grande ofensiva a oeste, o Führer quase havia cancelado esse encontro ritual. Na véspera, porém, ele voltara atrás. Diante do risco de alertar inutilmente Londres e Paris sobre seus projetos, um pequeno arranjo em sua agenda resolveria: normalmente interminável, seu discurso seria encurtado. Além disso, o Führerlimitaria a alguns minutos as efusões com a multidão. O tempo economizado lhe permitirá pegar o trem noturno para Berlim, onde devem ocorrer reuniões de Estado-Maior, decisivas no seu ponto de vista. Certo de que uma boa estrela o acompanha, o Führer atribui apenas uma importância relativa às “pequenas intrigas entre amigos” dos generais, o que, talvez, revele falta de informações sufi cientemente precisas. A Gestapo ignora, por exemplo, que Hans Oster, um ofi cial do Serviço de Informação do Exército Alemão (Abwehr), enojado com a pusilanimidade das altas esferas do exército, esforça-se para pôr em prática um atentado contra o ditador. Oster, todavia, estava menos adiantado em seus preparativos do que um lobo solitário, decidido a executar o ditador o quanto antes.

20H10

Hitler começa seu discurso. Numa cavidade no interior da coluna situada bem atrás da tribuna onde o líder vocifera, sob o clamor de seus aliados incondicionais amontoados na cervejaria, um mecanismo constituído de vários despertadores e dois pêndulos marca os segundos. A espessura da coluna abafa o ruído desse engenhoso artefato que deve desencadear a explosão da dinamite entre 21h15 e 21h30. Como Hitler fala geralmente entre 20h30 e 22h, o momento parece bem calculado. A princípio, o ditador não tem nenhuma chance.

20H45

Um senhor vindo de Königsbronn (em Wurtemberg), Johann Georg Elser, é interpelado pela alfândega alemã em Lörrach, em Baden-Wurtemberg, enquanto tenta deixar ilegalmente o país pela Suíça. Ele tem 36 anos e não consta em nenhuma lista de opositores procurados pela Gestapo, o que não o dispensa da inspeção regulamentar. Os ofi ciais encontram em seu poder uma insígnia da “Liga dos Combatentes da Frente Vermelha”, a antiga milícia do KPD, o Partido Comunista Alemão, além de componentes de detonador e um cartão-postal da Bürgerbräukeller, marcado com uma cruz vermelha delimitando um local preciso.

Até que a situação fosse esclarecida, os fiscais aduaneiros acharam por bem prender o suspeito. O que os guardas da alfândega não poderiam saber era que, desde agosto de 1939, Elser tinha decidido matar Hitler, por considerá-lo o pior inimigo não somente da paz, mas também da classe operária alemã. Há aproximadamente 30 noites, esse homem discreto e silencioso passou a jantar na Bürgerbräukeller e, a cada vez, ele se escondia para, com o estabelecimento fechado e vazio, dedicar-se a seu trabalho de sapa no interior da coluna. Único senão de seu artefato artesanal tão complexo: foi preciso programá-lo com 140 horas de antecedência. Por isso, na noite de 4 de novembro, Elser entrou uma penúltima vez na cervejaria para dar a primeira partida no mecanismo, antes de uma última verificação na noite do dia 7. Inconformado por ter se deixado prender tão estupidamente a dois passos da Suíça, ele olha melancolicamente o pêndulo do posto da fronteira. Tudo já deveria ter terminado naquele momento.

21H20

Terminado estava, mas não do jeito que ele pensava. Hitler acaba seu discurso, dirigido contra a Grã-Bretanha. O trem para Berlim o espera. Como previsto, ele gasta apenas dois ou três minutos para apertar as mãos de seus fiéis, antes de desaparecer com sua comitiva em direção à estação. Só então a máquina infernal de Georg Elser explode, rasga a coluna e projeta seus pedaços – num terrível efeito furacão – sobre a tribuna, exatamente no local onde Hitler se encontrava há somente 12 ou 13 minutos. O estrago é considerável: oito mortos, dos quais sete membros do partido, e 63 feridos, 16 gravemente. Tecnicamente, um atentado bem-sucedido. Exceto pelo fato de a bomba não ter atingido seu verdadeiro alvo.

O alvo agora percorre a toda velocidade as ruas de Munique. Não parece que Hitler tenha sabido, nesse momento, do atentado – provavelmente seu carro não era equipado com rádio. O fato é que ele atribuirá o fracasso de Elser à “Providência”, que o teria preservado para que levasse a cabo sua missão de Führer do povo alemão. Já Elser, não obstante a simpatia pelo KPD, parece ter sido movido também por sentimentos religiosos. Nos dias precedentes ao atentado, o aspirante a tiranicida teria frequentado assiduamente várias igrejas de Munique. Reconheçamos, entretanto, que Hitler teve sorte, aliás, dupla sorte: ao saber da notícia do atentado, Hans Oster adia seus projetos homicidas, tornados irrealizáveis por causa do reforço espetacular das medidas de segurança em torno da figura do Führer. O atentado frustrado acabou por impedir um outro, que poderia ter sido bem-sucedido.

21H31

O trem para Berlim, que transporta Hitler e os seus, se agita. Durante a viagem, a notícia do atentado do qual escapou por pouco será comunicada a Hitler.

22 HORAS

Reinhard Heydrich, chefe há dois meses do Reichssichereistshauptamt (“Escritório Central e Segurança do Reich”, o RSHA), que controla o dispositivo de repressão nazista, telefona a Arthur Nebe, chefe da Kripo (a polícia criminal de Berlim). Ele lhe ordena que abandone qualquer trabalho que esteja fazendo e vá imediatamente a Munique para criar uma comissão de investigação ligada à Gestapo. Walter Schellenberg, chefe do serviço de informação SS no exterior da Alemanha, também se mobiliza para verificar se o atentado poderia ter sido fruto de um complô estrangeiro. Na mesma noite, Heinrich Müller, chefe da polícia secreta de Estado (Geheime Staatspolizei, conhecida sob o acrônimo Gestapo), é avisado por telegrama sobre a prisão de Elser pelos fi scais aduaneiros. Estes últimos, tendo sabido do atentado, ligaram o fato ao cartão-postal da Bürgerbräukeller, aos explosivos e à insígnia da Liga dos Combatentes da Frente Vermelha.

Interrogado, o homem nega tudo, com o mesmo inacreditável sangue-frio que demonstrou desde o início de seus trabalhos noturnos na cervejaria. Sim, ele estava na região de Lörrach com o objetivo de passar clandestinamente para a Suíça, mas não pertence a nenhum movimento político. Um atentado em Munique? Ele não está a par. Será preciso que Nebe cuide pessoalmente do caso – surras e torturas – para que o marceneiro se embaralhe e caia em contradição. Além disso, as feridas nos joelhos correspondem perfeitamente às condições de trabalho de um homem que, à noite, na Bürgerbräukeller, operava ajoelhado num espaço muito pequeno.

Desde o início, Hitler se interessou pela personalidade daquele que queria matá-lo. Reinhard Heydrich assume em pessoa o comando das investigações. Duas possibilidades:
um atentado comunista (mas mesmo após a ruptura do pacto germano-soviético, o partido não reivindicará jamais o marceneiro como um dos seus, ainda que pudesse ter interesse em fazê-lo) ou uma operação dos serviços secretos britânicos. Hitler e seu ministro da Propaganda, Goebbels, tendo julgado essa verdade mais aceitável politicamente, decidem escolhê-la como versão oficial: um dissidente ex-nazista, Otto Strasser, e seu grupo, a Frente Negra, teriam agido pelos ingleses. Uma “verdade” imediatamente compreendida por Walter Schellenberg: desde 9 de novembro, Sigismund Payne.

Best e Richard Stevens, dois ofi ciais da Organização Z, um serviço britânico ultrassecreto, são sequestrados em Venlo, uma pequena cidade fronteiriça entre a Holanda e a Alemanha nazista. Sua captura deve atestar a tese do complô urdido em Londres.

OS DIAS SEGUINTES

Da noite de 12 a 13 de novembro, o infeliz Georg Elser, moído pelo cansaço e pela dor, confessa tudo. Ele conta em detalhes como planejou o atentado da Bürgerbräukeller. É graças aos interrogatórios de Nebe e seus consortes que os conhecemos hoje.

O problema com Elser é ter agido de forma solitária, pois seu depoimento desmente a tese britânica. Nenhuma palavra sobre isso! Mas como confessar aos cidadãos alemães que um deles, um homem do povo, simples e sem relações, movido apenas por suas convicções religiosas e uma rejeição visceral à ditadura, tentou suprimir o Führer? Denunciando pessoalmente os britânicos e Strasser como responsáveis pela explosão mortífera da cervejaria, Hitler toma sua decisão. Deportado e exilado sob sua ordem pessoal, Elser, membro da resistência corajoso e solitário, só será assassinado em abril de 1945, quase ao mesmo tempo que Hans Oster, destituído e, em seguida, preso após o fracasso de outro atentado: o do conde Stauff enberg, em 20 de julho de 1944.

A sorte esteve do lado errado. Por uma questão de minutos, sofrimentos indescritíveis teriam podido (talvez) ser evitados aos povos do mundo inteiro.

Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/o_atentado_que__quase__matou_hitler.html
INTERCEPTOR G5
GOL G5 PRETO RODA 17 + GOPRO

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