O desejo de explorar o território brasileiro, a busca de pedras e metais preciosos, a preocupação do colonizador português em consolidar seu domínio e a vontade de arrebanhar mão-de-obra indígena para trabalhar nas lavouras resultaram em incursões pelo interior do país, feitas muitas vezes por milhares de homens, em viagens que duravam meses e até anos.
Entradas e bandeiras foram os nomes dados às expedições dos colonizadores que resultaram na posse e conquista definitiva do Brasil. As entradas, em geral de cunho oficial, antecederam as bandeiras, de iniciativa de particulares. Tanto naquelas quanto nestas, era evidente a preocupação do europeu em escravizar o índio, e não foi pequeno o morticínio nas verdadeiras caçadas humanas que então ocorreram, como observa o historiador João Ribeiro. As bandeiras, fenômeno tipicamente paulista que data do início do século XVII, não extinguiram as entradas e também não foram iniciativa exclusiva dos mamelucos - filhos de portugueses com índias - do planalto de São Paulo. Elas marcam o início de uma consciência nativista e antiportuguesa.
Os documentos dos séculos XVI e XVII chamam os bandeirantes de armador. A palavra bandeira só aparece nos documentos do século XVIII. Para designar toda e qualquer espécie de expedição era comum empregar-se: entrada, jornada, viagem, companhia, descobrimento e, mais raramente, frota. Bandeira é nome paulista e, por isso mesmo, bandeirante tornou-se sinônimo do homem paulista, adquirindo uma conotação heróica, ao juntar no mesmo vocábulo o arrojo e a tenacidade com que se empenharam na conquista do território, na descoberta do ouro e no povoamento de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
Embora as bandeiras tenham tido três ciclos em sua história -- o da caça ao índio, o do sertanismo e o da mineração -- o bandeirante manteve sempre as suas características, vivendo em condições extremamente difíceis. Seu equipamento quase se reduzia ao gibão de armas, couraça de couro cru, acolchoado de algodão, para amortecer as flechadas dos índios, também chamada de "escupil", além de arcabuzes e mosquetes. Também levavam machado, enxós, foices, facões e os importantes instrumentos de mineração e apetrechos de pesca. Usavam perneiras de pele de veado ou capivara e andavam quase sempre descalços; quando montados, ostentavam nos pés nus grandes esporas. Entretanto os chefes usavam botas e chapéus de aba larga que ajudaram, ao longo dos tempos, a firmar uma imagem de guerreiro forte e destemido.
De modo geral os bandeirantes não levavam provisões, mesmo nas viagens longas. Apenas cabaças de sal, pratos de estanho, cuias, guampas, bruacas e as indispensáveis redes de dormir. Quando lhes faltavam os peixes dos rios, a caça, as frutas silvestres das matas, o mel, o pinhão e o palmito das roças indígenas, alimentavam-se de carne de cobra, lagartos e sapos ou rãs. Se a água faltava, tentavam encontrá-la nas plantas, mascavam folhas, roíam raízes e, em casos extremos, bebiam o sangue de animais. Esses homens estavam tão identificados com a terra "inóspita e grande" que um documento da época assim os define: "Paulistas embrenhados são mais destros que os mesmos bichos." Quando estavam em viagem, só restava aos bandeirantes dois caminhos: seguir as águas de um rio ou abrir trilhas na selva.
Antes de tudo, entrar no sertão exigia muita coragem e capacidade de improvisação. O combate na selva era sempre rude e encarniçado. O grande número de árvores e arbustos tornava impraticável a luta a distância. As escopetas e os arcabuzes valiam num primeiro momento, mas não havia tempo para recarregá-los. Muitos aprenderam o manejo do arco e flecha que, nesses momentos, tornavam-se muito mais eficientes. Em meio à luta era preciso também ter destreza com o punhal e às vezes valer-se das próprias mãos, no corpo-a-corpo inevitável. As condições eram tão rudes que os homens muitas vezes definhavam entre uma viagem e outra.
Lendas e mistérios
Calcula-se que 300.000 índios foram escravizados até 1641, quando o bandeirantismo de aprisionamento declinou e deu lugar a expedições cada vez maiores em busca de ouro, prata e pedras preciosas. Lendas e mistérios cercavam as expedições, algumas das quais ainda hoje não foram completamente reconstituídas, como a empreendida em 1526 por Aleixo Garcia, que teria alcançado o Peru, saindo da ilha de Santa Catarina. A expedição de Sebastião Fernandes Tourinho, em 1572, teria descoberto turmalinas verdes na região onde mais tarde seria instalado o Distrito Diamantino. A mais extraordinária de todas as lendas conta que, antes do aparecimento oficial do ouro no Brasil, em fins do século XVII, foram descobertas fabulosas minas de prata na serra de Itabaiana, em Sergipe, por Robério Dias, em 1590. O feito foi relatado no romance As minas de prata, de José de Alencar, o que contribuiu para divulgar a história.
Um dos traços mais característicos do imaginário da época dos descobrimentos era a fusão do desconhecido com o maravilhoso e o fantástico. Contava-se que no Brasil seriam encontradas imensas riquezas e as lendas da serra Esplandecente e da lagoa Dourada, incorporadas ao folclore dos bandeirantes, são expressivas mostras da mentalidade daquele tempo.
Numerosas expedições em busca de ouro e pedras preciosas partiram de vários pontos da costa brasileira. Em 1554, partiu da Bahia a expedição de Francisco Bruza de Espinosa; a essa seguiram-se a de Vasco Rodrigues Caldas (1561), a de Martim de Carvalho (1567), a de Sebastião Fernandes Tourinho (1572), a de Antonio Dias Adorno (1574), a de Sebastião Alvares (1574) e a de Gabriel Soares de Sousa (1592). De Sergipe saiu a expedição de Belchior Dias Moréia e Robério Dias, filho e neto de Caramuru (1590); do Ceará, a de Pero Coelho de Sousa (1594); do Espírito Santo, a de Diogo Martins Cão (1596); e do Maranhão, a malograda expedição de Pero Coelho de Sousa (1603).
O apresamento dos índios, objetivo geral desses bandos armados, foi praticado com regularidade no sertão paulista, desde as primeiras entradas de Brás Cubas e Luís Martins em 1560. Os índios resistiam com valentia e até ferocidade. O padre Anchieta se refere aos tupiniquins com assombro, chamando-os de "brava e carniceira nação, cujas queixadas ainda estão cheias de carne dos portugueses". Mas os colonizadores, aproveitando-se das rivalidades entre as principais tribos, usaram a tática de jogá-las umas contra as outras.
Choque com os missionários. A caça ao índio foi implacável. Os que não se submetiam, eram exterminados se não fugissem. Os bandeirantes paulistas atacavam seguidamente as missões religiosas jesuítas, uma vez que o índio catequizado, vivendo nessas aldeias, era presa fácil. Em 1580, o capitão-mor Jerônimo Leitão trouxe de Guairá, a maior dessas missões, um grande contingente de índios escravizados, a que se seguiram outros. Todas ou quase todas essas aldeias foram destruídas, a começar pela de Guairá, em 1629, numa expedição que teve entre seus chefes Antônio Raposo Tavares. Segundo o historiador Paulo Prado, essa foi, sem dúvida, "a página negra da história das bandeiras".
A destruição sistemática das missões prosseguiu a sudeste de Mato Grosso e ao sul, na direção do Rio Grande, à proporção que os missionários recuavam para as regiões próximas aos rios Uruguai e Paraná, onde conseguiram organizar a resistência, auxiliados pelo governador do Paraguai, D. Pedro de Lugo y Navarra. Os paulistas foram derrotados em Mbororé em 1641 e com isso o avanço sobre as missões arrefeceu durante algum tempo.
Bandeiras paulistas
Quando os portugueses venceram o obstáculo da serra do Mar, em 1554, São Paulo de Piratininga tornou-se o ponto de irradiação dos caminhos de penetração, ao longo dos rios Tietê e Paraíba, tanto para oeste como para o norte. As primeiras bandeiras foram organizadas pelo governador-geral da capitania de São Vicente, D. Francisco de Sousa, e distinguem-se das entradas, não só por seu cunho oficial mas, principalmente, por suas finalidades, mais pacíficas do que guerreiras. Exemplos disso foram as bandeiras de André de Leão em 1601 e Nicolau Barreto em 1602.
A maioria dos bandeirantes e mesmo de seus chefes era constituída por brasileiros, de sangue europeu ou misturado ao do indígena. Reuniam os filhos varões (acima de 14 anos), parentes, amigos, mateiros, apaniguados e índios escravos para a grande aventura do sertão. Durante o século XVII os paulistas percorreram o sertão goiano e mato-grossense. Em 1676, Bartolomeu Bueno da Silva entrou, pela primeira vez, em terras de Goiás.
Verdadeira epopéia viveu Pedro Teixeira na Amazônia. Partindo de Belém do Pará, subiu o rio Amazonas até Quito, no Equador, retornando pelo mesmo caminho até o ponto de partida, entre 1637 e 1639, depois de fincar a bandeira portuguesa na confluência do rio Napo com o Aguarico, no alto sertão, delimitando as terras de Portugal e Espanha, de acordo com a partilha determinada pelo Tratado de Tordesilhas. Esse é o começo do desbravamento da região amazônica.
De todos os feitos, o mais notável, sem dúvida, é o de Antônio Raposo Tavares, português nato, que ao começar sua última aventura, em 1648, tinha cinqüenta anos de idade. Partiu à frente de uma bandeira de mais de 200 paulistas e mil índios, realizando uma das maiores jornadas de que há notícia na história universal. Raposo Tavares se internou pelo Paraguai, em 1648, percorreu grande parte da região amazônica e ressurgiu em Gurupá, na foz do Amazonas, em 1652.
Descoberta do ouro
Fernão Dias Pais comandou a mais importante das bandeiras em busca de ouro. Rico e descendente de tradicional família paulista, empregou nessa empreitada toda a sua fortuna, à época a maior de São Paulo. Auxiliado pelo genro Manuel de Borba Gato e pelo filho Garcia Rodrigues Pais, explorou uma grande área da região centro-sul do país, das cabeceiras do rio das Velhas, no sertão de Sabarabuçu, até Serro Frio, ao norte. Durante sete anos, entre 1674 e 1681, Fernão Dias percorreu a região e com sua bandeira nasceram os primeiros arraiais mineiros. Aos 73 anos, sem ter encontrado o ouro e acometido pela febre que já matara muitos de seus homens, o velho bandeirante morreu a caminho do arraial do Sumidouro.
Borba Gato e Garcia Pais fixaram-se em Minas Gerais, que continuava a atrair bandeirantes, como Antônio Rodrigues Arzão, em 1693, e Bartolomeu Bueno de Siqueira, em 1698. O ouro finalmente foi descoberto, no mesmo ano, pelo paulista Antônio Dias de Oliveira. Teve então início a corrida dos reinóis.
Depois da chamada guerra dos emboabas, as expedições mudaram de rota, na direção de Mato Grosso e Goiás. Iniciou-se um novo período de bandeirismo: o das monções, expedições de caráter mais comercial e colonizador, em canoas, através do rio Tietê, de Araritaguaba até Cuiabá. Os bandeirantes muitas vezes tinham de carregar as embarcações nos ombros e margear os rios, para evitar as numerosas cachoeiras. Entre as monções, encerrando o ciclo das entradas e bandeiras, destacou-se a de Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo Anhangüera, que saiu de São Paulo em 1722, comandando 152 homens, à procura da serra dos Martírios, onde segundo a lenda a natureza esculpira em cristais a coroa, a lança e os cravos da paixão de Jesus Cristo. Depois de três anos de procura, o sertanista localizou ouro, a quatro léguas da atual cidade de Goiás.
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