23.5.12

O Fim do monopólio da Igreja Católica




A sociedade européia dos séculos XVI a XVIII sofreu mudanças culturais, políticas e religiosas que repercutiram tanto na organização do Estado quanto na formação de valores, de conceitos e de ideologias.
Em suma, na era moderna, construiu-se uma nova visão de mundo nas sociedades ocidentais, particularizando-se em formas distintas, segundo a época e o lugar, ou conforme o nível da realidade e as várias situações de classe. Essa transformação mental, que se realizou ao longo de três séculos, influenciou o modo de trabalhar, de pensar e de agir nos mais diferentes grupos sociais ocidentais, servindo de exemplo para as mais diversas sociedades.
Um desses momentos teve início na Alemanha, em 1517. Trata-se da questão envolvendo o monge agostiniano e teólogo católico Martinho Lutero (1483-1546) e o Papa da Igreja Católica Leão X (1475-1521).
Lutero denunciou, através de 95 teses, o que considerava irregular na Igreja Católica. Em 1519, afasta-se definitivamente do catolicismo. Suas propostas provocaram um intenso movimento de transformação ideológica e espiritual, que ficou conhecido como Reforma Protestante. Por meio dessa iniciativa, a Igreja Católica rompeu com Lutero.
Apoiado e protegido por príncipes alemães, Lutero aprofundou suas reflexões sobre a doutrina cristã e formulou os princípios de uma nova religião.
Embora os motivos religiosos tenham sido os mais evidentes para que Lutero formulasse novos conceitos espirituais, os econômicos também estavam ligados a essa nova prática religiosa. A Igreja Católica, através de seus ensinamentos, condenava o lucro, apesar de cobrar dízimos e vender indulgências que enriqueciam esta instituição. Essas atitudes da Igreja Católica não eram favoráveis às aspirações burguesas pelos lucros com o comércio e com as finanças.
Martinho Lutero, ao contrário, tinha uma visão mais tolerante em relação ao lucro e, inversamente, muito mais intolerante contra as indulgências católicas. Em função do seu modo de pensar, recebeu o apoio de muitos nobres e burgueses. Suas propostas reformistas, tais como a livre interpretação da Bíblia Sagrada e a tradução deste livro nas línguas nacionais, foram divulgadas por toda a Alemanha (Sacro Império Germânico e principados alemães), conseguindo a adesão cada vez maior da população, principalmente da classe burguesa. A burguesia alemã, juntamente com os príncipes, viam a Igreja Católica como inimiga política e econômica. Seus anseios eram por uma Igreja que gastasse menos, que absorvesse menos imposto e, principalmente, que não condenasse a prática de ganhar dinheiro.
Depois da burguesia, restava a maioria da população alemã, composta pelas classes camponesas, explorada ao máximo. Esse grupo via a Igreja Católica como o sustentáculo da formação social que os oprimia: o feudalismo. Isto porque ela representava mais um senhor feudal, a quem deviam muitos impostos, tais como o dízimo.
Sendo assim, a pregação de Lutero foi interpretada pelos trabalhadores do campo (camponeses germânicos) não apenas como uma mudança religiosa, mas também como reformas sociais.
Descontentes com a opressão servil, os camponeses se revoltaram e, em 1524, liderados pelo teólogo anabatista Thomas Müntzer ([ou Münzer] 1489-1525), a população do campo passou a exigir reformas sociais e religiosas. Os revoltosos queimaram e assaltaram mosteiros e castelos, condenaram a Igreja Católica pela cobrança de dízimos e reivindicaram a reforma agrária e a abolição dos privilégios feudais.
Ao estourar a guerra camponesa, Lutero procurou assumir uma atitude conciliadora. Atacou decididamente os governantes, dizendo que eles seriam os culpados do levante em função de suas opressões. No entanto, aconselhou
ambos os lados que fizessem concessões e se reconciliassem amigavelmente. Apesar dos conselhos de Lutero, o levante estendeu-se rapidamente pela Alemanha.
A reação foi violenta por parte da nobreza, que contou com o apoio de Lutero, pois, para o mesmo, uma revolta social estava fora de qualquer cogitação; Lutero justificou sua decisão em função da brutal repressão desencadeada pelos príncipes alemães contra o movimento. Leia o que escreveu o filósofo Friedrich Engels (1820-1895) sobre a posição dos príncipes com relação à rebelião dos camponeses na Alemanha, no século XVI.



Documento 5
Na Alemanha, a oposição “moderada, rica e inteligente” dos príncipes e das classes sociais dominantes, que desejava a separação de Roma, mas não a alteração da ordem social estabelecida, defrontou-se com a oposição proletária dos camponeses e da população pobre das cidades. Ambas – a oposição ao Papa e ao Imperador – puderam permanecer aliadas um certo tempo, devido ao fato de que a mensagem de Lutero, enunciada com grande força de sedução, iludiu as massas, empurrandoas necessariamente à rebelião. Mas Lutero, assustado, desligou-se rapidamente de uma aliança tão comprometedora com as classes populares. Frente ao “reformador burguês” Lutero, levantou-se o “ revolucionário plebeu” Münzer. Este, a princípio, era essencialmente um teólogo, influenciado pelos escritos milenaristas da Idade média. Mas, evoluiu rapidamente e se transformou em um “agitador político”.

Esse importante movimento, denominado Reforma Protestante (século XVI), levou outros pensadores a escreverem a respeito do assunto. Leia os textos 2 e 3 para que você possa entender melhor a relação da questão religiosa com as questões econômicas e sociais.

Texto 2
A Reforma do século XVI teve um duplo caráter de revolução social e revolução religiosa.
As classes populares não se sublevaram somente contra a corrupção do dogma e os abusos do clero. Também o fizeram contra a miséria e a injustiça. Na Bíblia não buscaram unicamente a doutrina da salvação pela fé, mas, também
a prova da igualdade original de todos os homens.

Não tomemos Münzer como um simples profeta da revolução social. Sua inspiração continua sendo essencialmente religiosa. O que o faz indignar-se é que as condições de vida do povo impedem a este acesso ao Evangelho. Os pobres se acham tão oprimidos, tão preocupados com o ganhar o pão de cada dia, que não têm tempo nem de ler a Bíblia nem de fortalecer sua fé com a oração e a contemplação. Lutero não compreendeu que não é possível uma autêntica Reforma religiosa sem uma prévia revolução social.

As guerras camponesas na Alemanha desencadearam, em 1525, o Manifesto dos Camponeses. Através desse documento, os camponeses fizeram suas reivindicações. Leia parte dessas reivindicações.

Documento 6
Nosso modesto pedido e desejo, nossa opinião e vontade é que, no futuro, nos sejam dados poder e autoridade, para que cada comunidade possa eleger o seu pastor e, da mesma forma, possa demiti-lo, caso se porte indevidamente. Ele nos regará o Evangelho de maneira acessível e sem deturpá-lo, sem qualquer acréscimo de leis ou ensinamentos humanos.
Até agora éramos tratados como escravos, o que é uma vergonha, pois, com seu precioso sangue, Jesus Cristo nos salvou a todos, tanto ao mais humilde pastor quanto ao mais nobre senhor, sem distinção.
Somos prejudicados ainda pelos nossos senhores, que se apoderam de todas as florestas. Se o pobre precisa de lenha ou madeira tem que pagar o dobro por ela. Nós somos de opinião que se encontra em mãos de leigos ou religiosos que não a adquiriram legalmente.
Nossa decisão e resolução final é a seguinte: se uma ou diversas dessas exigências não estiverem em consonância com a palavra de Deus, delas abriremos mão imediatamente, desde que se nos prove, à base das Sagradas Escrituras, que elas estão em discordância com a vontade divina.

A aliança entre a classe pobre e as novas idéias religiosas foi marcante, independente do Estado, esse grupo ligou, de maneira indissolúvel, aspirações religiosas e reivindicações igualitárias. Porém, os ricos burgueses não estiveram ausentes das primeiras fileiras protestantes e tampouco os príncipes, que, por outro lado, lutavam contra os camponeses, os artesãos e os burgueses momentaneamente unidos.
Sendo assim, houve protestantes em todas as classes sociais, oferecendo aos fiéis novas opções religiosas, quebrando o monopólio espiritual da Igreja Católica.
No entanto, o movimento protestante não gerou apenas conflitos sociais, perseguições e mortes, também colaborou com o desenvolvimento capitalista, impulsionou a alfabetização, a tolerância religiosa perante as artes e ciências.
Enfim, a religião, a partir do século XVI, transformou-se e o mundo moderno vivenciou novos conceitos religiosos.

Fonte: http://www.ahistoria.com.br/fim-do-monopolio-da-igreja-catolica/