Por: Wanderlei Salvador
PORQUE SOMOS BARRIGA VERDE?
Corria o ano de 1692, quando piratas ingleses retornavam a lha de Santa Catarina, para se vingarem de Dias Velho, que anos antes os havia expulsado de lá. Numa inesperada noite, os corsários desembarcaram e atacaram o povoado, prenderam a família do idoso governante e o mataram na presença de sua família, com um tiro a queima roupa, espalhando seus miolos pelas paredes da casa. Esse trágico acontecimento desorganizou a colônia e seus filhos resolveram voltar para a vila de São Paulo. Inclusive seu filho que estava minerando em Tayó, abandonou a lavra. Era um tempo de incertezas e navios franceses, ingleses e espanhóis atacaram, sendo que alguns até se fixaram na costa catarinense, cujo limite ainda não estava bem definido.
Pela resolução de 5 de agosto de 1738, o governo da metrópole determinou que o sargento mor de batalha(brigadeiro) José da Silva Paes passasse a ilha de Santa Catarina e nela levantasse uma fortificação. No dia 07 de março de 1739, Silva Paes tomou posse do Governo e organizou a vila, com suas repartições militares. Surgiu então o lendário “Regimento Barriga Verde”, composto por soldados artilheiros e fuzileiros de 4 companhias. Essa unidade, pouco a pouco foi se desenvolvendo e recebeu a alcunha de “Barriga Verde”, devido ao peitilho verde característico de seu uniforme. Suas provas de lealdade, coragem, disciplina, galhardia, honradez e bravura enchem de orgulho a história militar brasileira desde aqueles saudosos tempos imperiais até a presente data, espalhando o dístico a todo habitante do Estado de Santa Catarina. Além de defenderem a costa das incursões navais inimigas, os valentes soldados “barriga verde” ficaram no fogo cruzado entre a linha divisória do tratado de Tordesilhas, na contenda que envolvia os reinos de Portugal e Espanha no território catarinense.
Foi assim que nos novos tratados entre as duas nações, acontecia um batismo de sangue entre o lendário regimento barriga verde. Gomes Freire de Andrade, demarcador português, tendo visitado Desterro (Florianópolis) seguiu ao sul, por terra, eis que os valentes índios missioneiros estavam causando terríveis ameaças á linha fronteiriça na província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Uma fração desse regimento então foi deslocada para acompanhar e proteger a missão tomando parte na campanha com grande denodo e disciplina, marchando por terra para o Rio Grande do Sul em 1753. Outra parte, foi mandada por mar, em duas sumacas – pequenas embarcações da época – cumprindo ordens reais, para acompanhar e proteger outros soldados e colonos açorianos, com destino ao Rio Grande do Sul, mas uma terrível tempestade afundou e esmagou todos contra os penhascos, sobrevivendo apenas 77 pessoas. Por isso, em Florianópolis, o lugar hoje é chamado de “naufragados”. Nessa época chegava a lha uma virtuosa senhora, natural de Santos e se chamava Joana de Gusmão. Irmã de Bartolomeu de Gusmão, inventor de Balões e Alexandre de Gusmão, notável diplomata.
Em 1763, devido a declaração de guerra entre Portugal e Espanha, os soldados do Regimento Barriga Verde, apesar de lhe deverem 16 anos de fardamento e 17 meses de soldo, marcharam para defender o Brasil no Rio Grande do Sul, onde derramaram sangue e venceram novos inimigos.
Em agosto de 1766, o sertanista Antônio Correa Pinto de Macedo partia para fundar a cidade de Lages e no dia 1º. de janeiro de 1767, lançava os alicerces da catedral de Nossa Senhora dos Prazeres, erguendo a povoação para fazer frente a invasão castelhana. Como o conflito entre Portugal e Espanha ainda não estava resolvido, chamava a atenção a posição estratégica da ilha de Santa Catarina. Toda a tropa contava com 1059 homens, e era a força de defesa local que dispunha o reino Português, que atacou os invasores no dia 1º de abril de 1776, fazendo-os bater em retirada. O Valente regimento de linha da terra, já conhecido por “Barriga Verde” destacava-se novamente e mostrava mais uma vez sua bravura honrando o solo pátrio. O exército, que efetuou um combate naval, estava sob o comando do grande Lagunense Coronel Raphael Pinto Bandeira, e conquistou as fortalezas inimigas em Santa Tecla, no Rio Grande do Sul. Mas o reino de Castela estava disposto a recuperar as conquistas perdidas, e preparou uma esquadra naval formidável, com 10 mil homens, e centenas de vasos de guerra, que haviam partido de Cadiz em 13 de fevereiro de 1776, e chegaram na enseada catarinense de Canasvieiras em 20 de fevereiro de 1777. Os comandantes das diminutas forças de defesa bateram em retirada, vendo a superioridade adversária deixando o pequeno Regimento Barriga Verde abandonado. Desolada a população da ilha viu os espanhóis desembarcarem sem dispara um só tiro de fuzil, completando a conquista em 27 de fevereiro. Oficiais do Regimento Barriga Verde, entretanto, que defendiam suas famílias, se recusaram a assinar a capitulação, preferindo dar baixa do exército.
O bravo Coronel Fernando da Gama Lobo, comandante do Regimento Barriga Verde, quebrou as hastes da bandeira e rasgou o pano com suas mãos, para não permitir que fossem tocadas pelo invasor detestado.
Os castelhanos se apoderaram de todo o armamento, e de 75 mil cruzados em moeda, dos armazéns, fábricas e edifícios públicos, destruindo arquivos e edificações. Não conseguiram ampliar seu domínio pela audácia de destemidos soldados Barriga-Verdes que ofereciam resistência usando táticas de guerrilha. Com os tratados de paz entre os dois reinos, a ilha foi devolvida ao domínio lusitano em 31 de julho de 1778, quando os espanhóis rumaram para o Rio da Prata.
No ano de 1825, estourava a guerra entre o Império Brasileiro e as províncias unidas do Rio da Prata. Don Pedro I, desejando conhecer as operações do afamado Regimento Barriga Verde, desembarcou em Desterro acompanhado por uma divisão naval, em 29 de novembro de 1826, sendo recebido com grandes festejos populares. No exército que se batia contra o inimigo nas fronteiras, se destacava o lendário Regimento Barriga Verde, cujos oficiais e soldados eram catarinenses em sua grande maioria, praticando gloriosas façanhas elevando o nome do Brasil. Na marinha, os maiores feitos eram dos 3 irmãos lagunenses José, Fermino e Genuíno Lamego Costa, além de Nepumoceno de Menezes e Francisco P. machado, todos intrépidos e valorosos oficiais catarinenses.
Por ato adicional ä constituição do império, a província de Santa Catarina teve a assembléia legislativa formada por 20 membros, durante o governo de Feliciano Nunes Pires, cuja instalação se deu em 1º de março de 1831. Em conseqüência do plano de redução do exército, foi extinto oficialmente o 7º batalhão de caçadores de primeira linha, formado pelos heróicos e lendários soldados do Regimento Barriga Verde. Mas estourava na província de São Pedro do Rio Grande do Sul a revolução dos Farrapos e vinha logo depois a República Piratini. Giusepi Garibaldi se unia a Anita Garibaldi, no mesmo tempo em que nascia a República Juliana em Santa Catarina. Os soldados catarinenses então, já eram conhecidos como “Barriga Verdes” e pela bravura mostrada em combate o termo acabou sendo usado pelo povo, que tem orgulho em ser chamado de Barriga Verde. Anos mais tarde, quando aconteceu a guerra com o Uruguai e depois com o Paraguai, a guarda nacional não se encontrava organizada. Nesta época o 12º batalhão, formado por moços catarinenses, foi o primeiro a desembarcar na defesa da pátria, mostrando-se digno continuador do lendário regimento Barriga Verde. A Guarda Nacional foi chamada e constituída em grande maioria por valorosos e destemidos Barriga Verdes. É dessa época também que se conhece a expressão “voluntários da pátria” estimulada e formada pela guarda nacional, disciplinando falanges que marcharam para combater Solano Lopes, o “paysandu” tirano do valoroso povo paraguaio. As moças catarinenses também entraram em ação bordando as bandeiras que eram erguidas nas frentes de batalha e distinguiam o valente soldado Barriga Verde. Até mesmo os imigrantes suíços, Italianos, poloneses, irlandeses e alemães, formaram uma legião de voluntários nesta guerra contra o Paraguai, que durou 5 anos. Entre eles, figurava Emil Odebrecht, que havia feito uma expedição para descobrir a nascente do rio Itajaí, atendendo pedido do Dr. Hermann Blumenau, e passou pela cidade de Taió, onde pernoitou.
Anos mais tarde, em agosto de 1875, foi empossado governador o Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho, que inaugurou o monumento aos voluntários da pátria, heróis catarinenses e barriga Verdes, tombados na guerra do Paraguai, cuja edificação está no centro de Florianópolis. A sede do Poder Legislativo, casa dos deputados estaduais, foi batizada com o nome de Palácio barriga Verde.
Texto e pesquisa de Wanderlei Salvador, natural de Taió, SC. wander@obv.com.br
Fonte: http://meuartigo.brasilescola.com/historia-do-brasil/por-que-somos-barriga-verde.htm